Quando Carlos Nader venceu o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, muitos críticos o definiram como cria de Eduardo Coutinho e disseram que Um Homem Comum tinha tudo a ver com a obra do diretor de Edifício Master e outros clássicos. Nader admite que se surpreendeu. Ele sempre teve o maior carinho e admiração por Coutinho. “Gostaria de ter convivido mais com ele”, confessa. “Nossa relação tinha alguma coisa de misterioso. Por caminhos diversos, creio que tínhamos ou alcançávamos algo comum. Eu uso todas as formas, Coutinho filmava com uma só câmera. Eu faço filme sobre gente que conheço, ele sempre gostou de encontrar seus personagens diante da câmera. O que nos unia era o estranhamento.”

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Nader lança nesta quarta-feira, 25, o DVD de Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, no selo Sesc. Haverá um debate mediado por Danilo Santos de Miranda, diretor do Serviço Social do Comércio em São Paulo. Na mesa, estarão Nader e João Moreira Salles. “A gente muitas vezes duvida dessa coisa chamada de autonomia da arte, mas veja como as coisas ocorreram. Eu havia sido convidado pelo Sesc para fazer um filme. Fui a Nova York e encontrei, por acaso, o João (Moreira Salles).

Conversamos e ele terminou me propondo que codirigisse com Coutinho o documentário que terminou sendo o último dele. (Últimas Conversas vai abrir a nova edição do É Tudo Verdade, em abril, mas essa é outra história.) Coutinho não estava bem. Andava deprimido. Eu declinei. Era um mestre para mim. Estava num patamar muito mais elevado. Não conseguiria codirigir. Mas o Sesc terminou propondo uma entrevista para uma atividade que o Danilo ia desenvolver, com octogenários. Marcamos de eu entrevistar o Coutinho, no tal 7 de outubro. Seriam 15 minutos de conversa, viraram cinco horas.”

O diretor é conhecido pela demora na realização, principalmente na montagem de seus filmes. Nesse caso, tinha menos de dois meses para finalizar o trabalho.

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“Não considero esse filme um trabalho pessoal, nem mesmo um documentário. Mas é um documento valioso. Gosto muito da entrevista, da fala do Coutinho, da sua sinceridade e autenticidade.” Nader comunicou ao Sesc que seria impossível reduzir a entrevista a 15 minutos, apenas. “Deram-me 30 minutos, eu fiz um filme de 90, que foi reduzido para 70 e poucos.” É esse ‘filme’, por menos que o diretor o considere como tal, que está sendo lançado hoje em DVD e, a partir de amanhã, estará no Espaço Itaú de cinco cidades – além de São Paulo, também no Rio, Porto Alegre, Curitiba e Brasília. Uma tarde, uma locação, uma entrevista. Inverte-se o jogo e Coutinho, que aprimorou a arte da entrevista, agora é o entrevistado. E fala.

As circunstâncias da vida deram ao filme uma dimensão com que Nader não contava. Ele gravou em outubro de 2013 (a tecnologia era digital). Dois meses depois, o filme passou numa atividade interna do Sesc, o Trabalho Social com Idosos, que completava dez anos. Que melhor forma de destacar e homenagear a atividade que um diálogo com o maior documentarista brasileiro, já octogenário?

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Em janeiro de 2014, o cineasta foi brutalmente assassinado pelo filho, o que conferiu a 7 de Outubro uma aura mítica. Nader diz que foi um privilégio ter conhecido Coutinho, ter convivido com ele. “Éramos os opostos que se atraíam. Ele gostou muito de Um Homem Comum. Não sei se você se lembra, mas tem uma frase do meu caminhoneiro, que pergunta se a vida não é estranha? Coutinho assimilou a frase, a pergunta, e ela está no centro de Últimas Conversas. E mais não digo porque o filme está inédito, mas aguarde sua exibição no É Tudo Verdade.”

João Moreira Salles, produtor de Últimas Conversas, declarou à organização do Festival de Documentários – “Coutinho não teve tempo de montar aquele que seria seu último filme. São conversas com jovens que têm toda a vida pela frente. Ao menos para mim, essa circunstância encerra toda a pungência da obra”, define João. Agora é Carlos Nader quem fala – “Sempre achei muito comovente a relação do Coutinho com o João. Era uma coisa muito intensa, ultrapassava a ligação do artista com seu produtor. Os dois se influenciavam mutuamente de uma forma muito rica.”

O próprio João Moreira Salles confirma numa entrevista por telefone. “Convivi 15, 16 anos com o Coutinho, desde a época de Babilônia. Nada do que fizemos no período foi estranho, tanto para um quanto para outro. Quando terminávamos algum trabalho, saíamos para conversar e sempre surgia ali um gérmen para um próximo trabalho.” Isso significa que João perdeu seu primeiro interlocutor? “É verdade, sim, mas pode até ser um lugar-comum. Minhas conversas com Coutinho se introjetaram tanto que continuam me iluminando. Continuo dialogando com o Coutinho, mesmo ausente, e é um diálogo muito vivo. Às vezes, quando me falta a direção, tenho a impressão de que o Coutinho continua me fornecendo o alvo.” É um pouco sobre isso que Carlos Nader e ele vão conversar hoje com Danilo Santos de Miranda. Sobre a permanência de Coutinho, como um artista farol. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.