Carlos Kleiber, quem diria, nas telinhas

São Paulo – Foi a mesma coisa com o romeno Sergiu Celibidache – em vida, fugia como doido dos estúdios de gravação; após sua morte, seja lá onde estiver, deve ter visto com certa reserva suas apresentações ao vivo sendo lançadas por meio de gravações de rádio. Agora, é a vez de Carlos Kleiber, com o lançamento de um DVD em que interpreta Beethoven, Mozart e Brahms com a Orquestra da Baviera. O grande maestro morto em julho também não era lá muito chegado a gravações.

Mas, ao contrário de Celibidache, não havia nada de filosófico na escolha. O próprio ato de reger, à primeira vista, não lhe agradava muito. E entender isso é o primeiro passo para se ter uma idéia de seu legado.

Kleiber morreu aos 74 anos deixando uma discografia pequena, principalmente se comparada com a de alguns de seus colegas, mas de acordo com sua carreira. Após um início promissor, ele foi reduzindo pouco a pouco suas aparições. Karajan, que ele não quis suceder à frente da Filarmônica de Berlim, dizia que Kleiber só se colocava à frente de uma orquestra quando acabava a comida na geladeira: regia, embolsava um cachê polpudo, e voltava ao auto-exílio em sua casa na Suíça. Por sua vez, ele afirmava que a rotina de concertos era nociva: "Há dois inimigos conspirando contra a boa interpretação: um é a rotina, o outro é a improvisação". E justificava assim suas raras aparições.

Claro que, do lado de cá, não faltaram outras explicações. A principal delas envolve o relacionamento conflituoso com o pai – Erich também foi um grande regente e tentou dissuadir o filho de seguir carreira na música. Há quem diga que isso se devia a uma pontinha de inveja, por parte do pai, do enorme talento do jovem Carlos. Aí, fica difícil dizer. Mas o fato é que a relação dos dois nunca seria das melhores. Um produtor da indústria fonográfica costumava dizer que o modo como Carlos lidava com o mundo musical era uma projeção do trato com o pai: quando regia bem, era como se estivesse respondendo a ele; quando cancelava um concerto na última hora ou recusava um convite irrecusável (como a sugestão para assumir a Filarmônica de Berlim) era só para agredi-lo. Dentro dessa teoria, ajuda o fato de que o repertório do filho em muito se parece com o do pai: apenas algumas peças, principalmente do chamado grande repertório, ou seja, Brahms, Beethoven, Mozart, a Traviata de Verdi e, como exceção, o Wozzeck de Alban Berg.

Enfim, seja lá por qual motivo, Carlos Kleiber regia pouco. Então, seria justo dizer que tê-lo em DVD é algo raro. Mas o ineditismo ou curiosidade não é a única atração da gravação, lançada pela Universal em edição nacional. Você pode até mesmo se perguntar: para que outra versão da Abertura Coriolano, de Beethoven, ou da Sinfonia n.º 33, de Mozart, ou ainda da Quarta de Brahms?

O primeiro atrativo é ver Kleiber regendo. O vídeo é de 1996, com ele à frente da Sinfônica da Baviera. Há um outro DVD com ele, lançado há dois anos, da opereta O Morcego, mas o maestro fica no fosso. Aqui, ele está no palco – e é interessante ver seu domínio sobre a orquestra, obtido com um gestual mínimo, quase "poético", para usar o termo que tantas vezes já foi utilizado para definir sua regência.

E que regência! É uma sensação interessante ver este repertório, do qual há tantas versões magníficas, soar ao mesmo tempo familiar e novo. Especialmente em Brahms, Kleiber tem uma visão focada em detalhes, em pequenos elementos que parecem definir em sua mente a obra. Mas – e é aí que entra o mistério dos gênios – o resultado não é fragmentado, oferece uma visão sólida de conjunto. Este DVD é o primeiro de uma prometida série de seis.

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