Seja no papel de ator em crise ou de humilde serralheiro, quem brilhou mesmo no fim de semana em Veneza foi Al Pacino. Ele está em dois filmes e desembarcou no Lido de óculos escuros e distribuindo charme. Um dos filmes, na disputa pelo Leão de Ouro, o outro, fora de concurso. Em ambos, a alma da história é este ator que já foi Michael Corleone na saga do Poderoso Chefão, cego mulherengo em Perfume de Mulher e tantos outros papéis que o consagraram como figura universal.

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Aqui em Veneza, Pacino vem com títulos talvez menos memoráveis, mas pelo menos bons. Em The Humbling (baseado no romance de Philip Roth, A Humilhação, na versão brasileira), ele faz o ator que começa a esquecer suas falas no palco. Em busca, talvez, da juventude perdida, se apaixona por uma ninfeta bissexual (Greta Gerwig, de Frances Ha), filha de um casal de amigos. O filme é dirigido por Barry Levinson, e passou fora de concurso. Sobre o personagem, Pacino diz que é “um modelo de angústia”, embora as filmagens tenham se desenrolado em clima de total relax. Ele mesmo se disse uma pessoa de bem com a vida, sem qualquer dos problemas existenciais que afetam o personagem. “Mas entendo que ele tenha pontos de contato com cada um de nós.”

Afirma também que Simon Axler, seu personagem em A Humilhação, ilustra bem a fatiga do ator, obrigado a entrar no universo de Shakespeare pela vida afora e exaurindo-se com isso. Ele mesmo diz sentir esse peso, embora “as pessoas achem que a vida do ator é feita de glamour”.

A história contada por Roth é potencialmente pesada. Em busca da juventude, Simon encontrará em seu novo relacionamento apenas uma modalidade diferente de inferno pessoal. A trama pode ser uma advertência a quem busca amores com muita diferença de idade e mostra o preço que o derradeiro uivo pode custar a um lobo solitário. É bom filme, nada genial, mas ganha com a opção de Levinson ao lhe dar um toque de humor, que cai bem na voz rouca de Pacino. “A chave da história reside em uma das cenas iniciais, quando meu personagem, no camarim, antes de entrar em cena, segura duas máscaras, uma representando a tragédia, outra, a comédia”, lembra o ator. Trata-se de uma antiga simbologia do teatro, a mostrar que o destino humano caminha entre lágrimas e risos, e uma dimensão tempera a outra.

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De certa forma, o personagem de Pacino em Manglehorn, dirigido por David Gordon Green, este sim em concurso pelo Leão de Ouro, parece ainda mais patético que o de ator envelhecido em A Humilhação. Na história, Angelo Manglehorn é um serralheiro solitário, que vive com seu gato e suas lembranças. Entre elas, a principal, a de certa mulher que o encantou para toda a vida e que ele perdeu. De tal modo que não é capaz de enxergar a oportunidade de recomeço oferecida pela caixa do banco (Holly Hunter, ótima no papel). O filme é interessante, sem ser brilhante. Acena com um final feliz que não soa despropositado. Seria banal sem Pacino. Já com ele, sobe alguns degraus na escala da qualidade. Com seu carisma, é capaz de fazer um personagem absolutamente inconsequente nas relações com o filho e as mulheres. Mesmo assim, torcemos por ele. Coisas de um grande ator, que, aos 74 anos, contabiliza dezenas de filmes, mas adverte: “Se minha carreira fosse um avião, diria que está longe do ponto de aterrissagem”.

A presença de Pacino no Lido foi tão marcante que até ofuscou um pouco a passagem de três musas do cinema, a eterna Catherine Deneuve, sua filha Chiara Mastroianni e a corajosa Charlotte Gainsbourg. Elas estão no elenco de 3 Coeurs (Três Corações), de Benoît Jacquot, que também concorre aos prêmios em Veneza. O filme pode ser definido como uma espécie de thriller amoroso, segundo seu diretor. Um fiscal de impostos (Benoît Poelvoorde, visto há poucos dias aqui em La Rançon de la Gloire) perde o trem numa cidade de província e, por acaso, inicia um relacionamento rápido com Sylvie (Charlotte Gainsbourg). Os dois marcam encontro em Paris, mas a coisa não dá certo. Sylvie apenas reentrará em cena na vida do homem quando ele volta à cidadezinha e, também por acaso, conhece a sua irmã, Sophie (Chiara Mastroianni).

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Há certa inteligência na maneira como Jacquot retrabalha as estruturas do thriller e do melodrama. A série de coincidências, os amores ameaçados, a tentativa de completar um relacionamento deixado pela metade – tudo isso redunda num filme gostoso de ver. Prende a atenção e, claro, o elenco funciona como relógio. São todos ótimos, a começar por Poelvoorde, cujo físico não combina com o de um galanteador, mas ele nos convence de que pode mesmo seduzir todas aquelas mulheres. Em especial, a dupla de irmãs, formada por Charlotte e Chiara, dá encanto particular a esse trabalho. Catherine tem participação pequena, mas, mesmo que ficasse 10 segundos na tela, nos lembraríamos dela.

Outro filme francês do fim de semana, Loin des Hommes (Longe dos Homens), de David Oelhoffen, baseia-se em uma história curta de Albert Camus. Na Argélia dos anos 1950, ex-militar e agora professor é convocado para escoltar um prisioneiro até a fortificação francesa, através do deserto. O professor é vivido por Viggo Mortensen, que interpreta em francês, árabe e espanhol. Convence. O filme tem a espinha dorsal apoiada no faroeste, como gênero. A travessia do deserto, o nascimento da amizade entre homens antagonistas, as noções de honra e lealdade – tudo isso está lá, neste filme bem fotografado e que às vezes impressiona, sem nunca nos conquistar por completo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.