Artista consagrado no circuito internacional e representado em coleções como a do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), o mineiro Cao Guimarães, 48, ganha sua primeira individual numa instituição brasileira, o Itaú Cultural, que será aberta nesta quarta-feira para convidados (e quinta para o público). A mostra “Ver É Uma Fábula”, com curadoria de Moacir dos Anjos e arquitetura expositiva de Marta Bogéa, reúne seus oito filmes de longa-metragem, além de 21 vídeos e fotografias apresentadas em slide show. A exposição é a maior já feita do artista e ocupa três andares do instituto, onde também será realizado um workshop com Cao e os músicos do Grivo, grupo formado por Marcos Moreira Marcos e Nelson Soares, que assina as trilhas de quase todos os filmes do realizador.

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Inspirado numa passagem do livro “Catatau”, do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), que fala do poder que tem a fábula de suscitar novas histórias a partir da narrativa original, o título da mostra define a proposta de diálogo de Cao Guimarães com os espectadores de suas obras. Ver imagens produzidas pelo autor filtradas pelo repertório subjetivo corresponde à sensação de refazer o percurso desse cineasta sempre em busca do insólito. Nesse sentido, sua obra mais radical talvez seja mesmo a série “Histórias do não Ver”, que começou em 1996 e agora vira livro publicado pela Editora Cobogó, lançado durante a exposição.

O artista, na série, submetia-se voluntariamente a um sequestro e, de olhos vendados, era levado a lugares desconhecidos, registrando suas sensações em fotografias cegas que depois formaram uma videoinstalação (em 2001). Cao conta que a série acabou quando ainda estava casado com a também artista mineira Rivane Neuenschwander. Hospedado na casa de um amigo em Madri, acordou sobressaltado com o toque da campainha e, ao abrir a porta, teve um revólver apontado para sua cabeça, levado a uma casa no subúrbio madrilenho, obrigado a ficar nu e fazer inscrições no corpo de uma desconhecida, também nua, como no filme de Peter Greenaway (“O Livro de Cabeceira”).

Cinema sempre foi a referência máxima de Cao, que tinha um avô fotógrafo e herdou dele o equipamento com os quais fez suas primeiras experiências. “Era um rato de cineclube, via todos os filmes da nouvelle vague francesa e do Tarkovski”, conta, definindo o russo como seu guru. De fato, há nos filmes do cineasta a mesma tentativa de esculpir o tempo com a imagem, como no curta “Quarta-Feira de Cinzas” (2006), em que a câmera acompanha o movimento de formigas após o carnaval, levando os restos da folia para o formigueiro. “Tenho essa fixação nas vidas minúsculas, o que fica explícito em Nanofania.” Nesse curta, bolhas de sabão explodem enquanto insetos saltam, acompanhados por uma pianola de brinquedo.

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Cao, que nunca estudou música, toca ao piano uma composição sua em “Concerto para Clorofila” (2004), dedicado a explorar o contraste entre luz e sombra na natureza. Mais uma vez, ele penetra num mundo liliputiano de teias de aranha e gotas de orvalho. No mundo dos homens, ele prefere filmar os solitários. É o caso de “A Alma do Osso” (2004), que acompanha o cotidiano do eremita Dominguinhos, morador numa caverna da montanha (ele morreu num asilo).

Em busca de seres isolados o cineasta acabou encontrando um personagem de Edgar Allan Poe e fez dele o protagonista de seu novo filme, “O Homem das Multidões”, dirigido em parceria com o pernambucano Marcelo Gomes. No conto de Poe, um londrino do século 19 segue um decrépito flâneur na rua e descobre que ele nunca volta para casa, dirigindo-se sempre a lugares com muita gente. Cao conta que fez dele um mineiro de Belo Horizonte. Quase um doppelgänger, como no premiado “Otto – Eu Sou Um Outro” (1998), que lhe abriu as portas de Sundance. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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VER É UMA FÁBULA

Itaú Cultural (Av. Paulista, 149). Tel. (011) 2168-1776. 3ª a 6ª, 9 h/ 20 h; sáb., dom. e feriado, 11 h/ 20 h. Grátis. Até 1º/6. Abertura quinta.