Programado para sair somente em meados de julho, World Peace is None of You Business, o novo disco de Morrissey, já chegou às lojas argentina e está disponível na internet (de forma ilegal e “deluxe edition”) desde o começo do mês. Com um som totalmente diferente do álbum anterior, Years of Refusal (2009), o décimo trabalho do ex-vocalista dos Smiths encanta por misturar o ritmo latino – uma influência do atual tecladista, Gustavo Manzur, de origem colombiana – ao característico rock inglês alternativo – que marcou toda a sua carreira.
Dialogando com temas que lhe são caros, Morrissey se solidifica contra o casamento (“Neal Cassady Drops Dead”), combate a matança de animais (“I’m not a Man” e “The Bullfighter Dies”) e coloca o suicídio como uma última alternativa para uma vida sem sentido (“Staircase at the University”). E este é, talvez, o disco mais político e engajado do cantor, que não poupou nem mesmo o Brasil em sua faixa título – criando uma jocosa aliteração com Bahrein.
Entre as confusões que marcaram o começo de 2014 – o cancelamento da turnê americana e o fim da amizade com seu ‘open act’, Kristen Young -, o novo disco chega às lojas com uma força proporcional à espera de cinco anos. O produtor Joe Chiccarelli, que tem no currículo Strokers e The Killers, conseguiu dar ao disco um som jovial sem que isso destoasse da identidade de Morrissey.
Cultuado pelo público gay, Morrissey cada vez mais deixa sua orientação sexual à mostra. Desde os versos voluptuosos de “Dear God Please Help Me”, de Ringleader of the tormentors (2006), e após confirmar em sua autobiografia o romance com o fotógrafo inglês Jake Walters (“a primeira vez em que o eterno eu se transformou em nós”, como disse), Morrissey parece estar mais à vontade, confortável em ser quem é – algo muito distante daquela imagem de inadequação perpétua que povoou os anos 1980.
Letras
Após sua Autobriography, um dos maiores sucessos editorais da Inglaterra, é impossível que WPINOYB soasse menos pessoal. “Staircase at the University” carrega o peso kafikiano de um pai opressor que leva a filha (nossa caso da música) ao colapso. “Kiss me a lot”, apesar do título, não é um hino ao amor, mas uma celebração daquilo que a vida pode oferecer à persona criada por Morrissey – já não tão misantropo e nem tão assexuado assim.
“Smiler With Knife”, o possível retrato de um estupro, volta a lidar com a temática da violência sexual explorada no tempo dos Smiths (“Reel Around the Fountain”, “Handsome Devil” e “Suffer Little Children”). Ao contrário do que exige o tema, a melodia é calma e sensível, chegando a lembrar a investidas de Caetano Veloso na MPB.
Divulgação |
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Disco deve custar em média R$ 28. |
“Mountjoy”, um folk-fake, é uma ode à condição imposta pela vida de morar na prisão de mesmo nome. “Eu fui enviado para cá por um idiota de 2 por 2 usando uma peruca”, canta Morrissey – que nunca escondeu sua simpatia pela vida marginal, flertando com o movimento skinhead nos anos 90, além de citar os Irmãos Kray em “The Last of the Famous Internation ´Playboy”, estampar a foto do gangster Charlie Richardson no disco Your Arsenal (1992) e cantar a vida de um outsider em “Ganglord”.
A edição “simples” fecha com “Oboe Concerto”, música em que Morrissey não esconde seu orgulho em passar dos 50 e aceita a idade, mas deixa claro que ainda é a música que faz o (seu) mundo girar.
Promoção
Na esteira de grandes estrat&eac,ute;gias de marketing que marcaram os lançamentos do ano passado – principalmente The Next Day, de David Bowie, e Random Acess Memories, do duo francês Daft Punk -, WPINOYB teve uma promoção mais singela, com vídeos de Morrissey declamando quatro faixas deste trabalho: “Word Peace is None of Your Business”, “The Bullfighter Dies”, “Earth Is The Loneliest Planet” e “Istanbul”.
Quando, em 2009, Years of Refusal caiu na internet um mês antes do lançamento os músicos de Morrissey – e em especial o guitarristas Jesse Tobias – não pouparam de culpar e estrebuchar sobre quem permitiu que essa “falha” acontecesse. Dessa vez, o que houve foi um silêncio consentido e grato pelos elogios que tomaram conta das redes sociais e das comunidades virtuais dedicadas ao bardo.