A natureza não quer ser nada, e tampouco quer deixar de ser – ela simplesmente é. O pensamento pode parecer hippie demais, ele assume. Mas é essa a ideia que percorre, de forma sutil, as canções do primeiro CD de Flavio Tris, que ele apresentou ao público pela primeira vez em dezembro, no palco Sesc Santana. “A gente passa o tempo todo, do início ao fim da vida, desejando, sofrendo; o que é maravilhoso, porque isso é o ser humano. Mas o contraponto com a natureza me traz, de certa forma, um consolo, de poder ver a simplicidade das coisas”, diz o cantor e compositor paulistano, de 32 anos.
Simplicidade que se contrapõe às letras bem elaboradas das 13 faixas, em que a natureza corre pelas beiradas de reflexões sobre a vida, sobre metas e desejos, sobre o amor. O sentimento, no caso, aparece de forma pouco óbvia, como na provocativa e despudorada Selva, ou em Sereia da Noite, narrativa com ares de fábula sobre um pescador que faz um pacto com a lua para poder encantar uma sereia, em vez de ser encantado.
A sonoridade do álbum traz diversas influências ligadas à tradição da música popular brasileira – do baião de Luiz Gonzaga ao tropicalismo -, e até incorpora, em alguns casos, elementos do bolero e do tango cubano. “Às vezes, acham que minha música tem uma coisa meio retrô, mas eu não tento fazer música parecida com Chico, com Gil. Eu só uso uma estrada que eles abriram e que não está totalmente ocupada”, observa. “As pessoas se perdem muito em busca de novidades, sendo que tem formatos já inaugurados que admitem recheios, conteúdos dos mais diversos. Sempre vai ter o que ser dito, e sempre vai ser diferente, porque as referências, os universos poéticos de cada pessoa são únicos.”
Pensando em ocupar a tal dessa estrada, aberta nos anos 60 e 70, Flavio convidou Alê Siqueira, que já trabalhou com nomes como Zé Miguel Wisnik e Arnaldo Antunes, para produzir o disco (disponível para download grátis pelo site www.flaviotris.com). Nele, composições feitas ao longo dos últimos anos – incluindo algumas de um EP com cinco faixas, lançado em 2011, de forma independente – ganharam uma nova roupagem.
Foi também Siqueira que indicou boa parte dos músicos que participam do álbum, e que foram somados à dupla Maurício Maas (acordeom e bateria) e Tchelo Nunes (violino e baixo), que acompanha Flavio desde seus primeiros shows, em 2009. “Até então, eu vinha fazendo canções sem apresentar nada, em um processo solitário mesmo; mas eu sempre fui de fazer saraus, de comandar noitadas musicais”, lembra Flavio, que toca piano desde os 5 anos e violão desde os 14. Em 2010, já com dezenas de melodias e letras compostas, ele largou a carreira de advogado, “uma escolha errada”, para se dedicar integralmente à música.
A lista de cantores que fazem participações especiais no disco foi escolhida entre artistas que Flavio admira e dos quais também é amigo. Em Sejas Tu, que tem ares de bolero, a voz impecável e mais aguda de Tulipa Ruiz equilibra o timbre grave de Flavio. Juntos, eles se revezam em versos envolventes como “Eu no teu corpo me enfio de canto/E no teu rio eu navego sem pranto ou pudor”.
Já na festiva e carnavalesca Tudo, que encerra o disco, Filipe Catto, Celso Sim e Leo Cavalcanti formam um coro de vozes sobrepostas e quase ininteligíveis, enquanto Flavio canta: “Tudo é mesmo um só momento/ Tudo sempre à mesma hora/ E se um dia tudo acaba/ Tudo eu quero e quero agora”.
E o que ele quer é continuar fazendo shows e, como sempre, compondo bastante. “Já daria para eu gravar mais uns três discos, mas eu vou fazer um de cada vez”, brinca. Até lá, Flavio se prepara para apresentar, na Casa de Francisca, no dia 12 de fevereiro, um show de piano, violão e voz, que incluirá, além das músicas do CD, algumas inéditas. E, no dia 13 de março, no Centro Cultural São Paulo, se apresenta com a mesma formação de banda que participou do lançamento oficial, no fim de 2013, e incluiu músicos como Guilherme Kastrup (percussão) e Marcelo Monteiro (sax e flauta).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.