A vida de Adele, enfim, “aconteceu”. Foi o que a cantora britânica de 27 anos escreveu em uma carta publicada para justificar a demora em lançar um sucessor para o poderoso 21, nas prateleiras e integrante nas paradas de mais vendidos desde 2011. Casou-se, teve um filho, viveu um período iluminado impensável para qualquer um que tenha ouvido canções como Rolling in the Deep, One and Only, Set Fire to the Rain, Someone Like You, entre tantas baladas angustiantes.

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Quatro anos depois de ganhar fama através daquele sofrimento trazido à tona com uma das vozes mais poderosas ouvidas neste século, chegou o momento de entregar mais uma leva de músicas. Qualquer um minimamente conhecedor da cultura pop sabia da expectativa gerada sobre este trabalho. Enfim, no último dia 20, chegou 25, o terceiro de Adele.

Após pelo menos dois anos de construção, 25 soa esquizofrênico. Cérebro demais, coração de menos. Percebe-se uma tentativa de reinventar a fórmula que levou Adele ao estrelato. É mais pop que o antecessor. E, por isso mesmo, escorrega, patina, desliza sobre um lago coberto por gelo quebradiço. Sempre foi a alma dolorida de Adele – ou o fato de ainda saber emular aquele sofrimento do término do disco anterior – que resgata a britânica de um desastre fonográfico astronômico.

Não foi a toa que Hello e When We Were Young foram escolhidos como os primeiros singles de 25. São as canções mais seguras do álbum. O disco soa como um excessivo trabalho de “pensar fora da caixinha”. Como se ela e um numeroso time de produtores, arranjadores e, claro, homens de negócios, tivessem passado tempo demais em reuniões para tentar fazer esse punhado de canções contemporâneas, modernosas. Quiseram olhar para frente, mas esqueceram do passado.

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Adele faz o que sabe de melhor quando é a voz dela a responsável por se encarregar das emoções. Mas há vozes demais. Backing vocals, gravados pela própria, de acordo com a ficha técnica, escondem a potência que é Adele ao microfone. Arranjos de cordas, bateria eletrônica, órgão, tudo enche 25 de pompa e esvaziam o sentimento dela – o mais importante disso tudo, no fim das contas.

Perdeu-se, em alguns momentos, a assinatura própria. All I Ask, a 10ª do disco, uma balada com dois pianos e a voz da britânica, soa como um pop radiofônico, por mais que a cantora se esforce para chegar a agudos impressionantes. Basta checar a ficha técnica da faixa e a resposta está lá. Bruno Mars assina a letra, ao lado da própria Adele, Philip Lawrence e Christopher Brody Brown. Eis uma grande canção que iria estourar na voz do cantor havaiano. E talvez o faça, em um próximo disco dele. É muito esforço para soar pop demais.

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A inovação é importante, entenda-se isso. Se 25 fosse mais do mesmo, talvez fosse massacrado justamente pela falta de criatividade. A grande questão é: o mundo já estava satisfeito com aquela porção da Adele mostrada em 21? Ou talvez houvesse mais lenha para queimar antes de partir para outra? Quanta liberdade artística Adele teve para produzir 25?

O novo disco de Adele é, como ela mesmo havia definido, um trabalho de conciliação. Não há mais espaço para sombras na voz da cantora. A temática mudou, assim como a vida dela. O passado ainda é capaz de assombrar, a saudade é ardida e permanece guardada em pontos mais obscuros desses versos. Hello abre o álbum e só não é a melhor do álbum porque tem alguns fortes concorrentes. Ali, Adele caminha por um piso seguro. Sua voz dita a força da angústia de uma ligação para um amor do passado – mas ainda presente em saudade e arrependimento. Nunca sabemos o resultado da chamada telefônica, mas o tom sombrio voz dela entrega que essa não foi a primeira ligação desesperada, muito menos a última.

Parte-se para Send My Love (To Your New Lover), uma canção de voz e violão que, com menos produção, soaria mambembe. Jack Johnson, Jason Mraz e outros cantores mezzo-surfistas trariam uma linha de violão similar à essa. O refrão, desnecessariamente explosivo, parece saído de uma festa pop, colorida, da qual você certamente não se lembrará de nada – a não ser da sofrida ressaca de tanto excesso.

E, a partir da terceira faixa, escancaram-se as duas facetas do disco. Há ótimas canções, como I Miss You. Bateria, percussão, programação, dão uma base grave para que Adele suba, aos poucos, sua voz. Ascende até agudos dos quais estamos acostumados. Eis, aqui, uma versão 2015 daquilo que gostamos tanto em 2011. Remedy tem versos cândidos, uma declaração de amor por vezes piegas, é outra bom acerto.

O grande deslize do álbum está em Water Under the Bridge. Um erro de Greg Kurstin, produtor com quem Adele trabalhou em outras duas faixas do disco, a excelente Hello e a também esquizofrênica e dispensável Million de Years Ago.

25, de certa forma, encerra uma jornada sombria pela qual Adele passou. É como se os discos 19 (de 2008), 21 (2011) e 25 (2015) formassem a trilogia da compreensão da dor. Versos de sentimentos ainda confusos do primeiro álbum, ganharam uma paleta menos colorida em 21, o momento mais difícil do luto amoroso. Abre-se espaço para a raiva, os arrependimentos e a todos aqueles sentimentos revoltos que preenchem o peito de angústia. 25 vem para iluminar aquele momento sombrio. O passado ainda é responsável por assombrar e trazer dias escuros, por mais que o sol brilhe intensamente do lado de fora. O passar dos anos, contudo, traz luz para a dor. Traz compreensão de erros e acertos.

No disco, o pop, às vezes, soa mais genérico do que deveria. Mas a alma sofrida de Adele, não mais tão sofrida assim, salva o disco do fracasso. 25 é um disco maduro neste sentido. O tempo passou. A vida aconteceu, afinal. Para Adele e para nós.