São Paulo – Ann Miller, que morreu quinta-feira aos 81 anos, remete o cinéfilo ao tempo dos musicais, gênero no qual ela brilhou ao lado de nomes mitológicos como Gene Kelly e Fred Astaire. Ann, cujo nome real era Lucille Ann Col-lier, nasceu em Houston no Texas em 12 de abril de 1923. Filha de um advogado conhecido, chegou a ser registrada como Johnnie Lucille, pois o pai esperava filho homem. Ann sofria de câncer no pulmão. Morreu em Los Angeles na Califórnia e será lembrada como a indiscutível rainha do sapateado.
Exibia-se com graça infinita, mas não escapou a essa mania pelos números e estatísticas que são parte da cultura americana: em seus tempos áureos, conseguia dar 500 batidas por minuto com seus pés. Uma metralhadora do sapateado – mas é claro que sua arte ia muito além do recorde. Limitada a ele, seria atração circense, nada mais. A maneira como o fazia, o senso rítmico e a graça, isso sim faziam dela uma artista.
Os pontos altos de sua carreira estão em três musicais famosos, Um Dia em Nova York, de Stanley Donen, com Gene Kelly e Frank Sinatra, Desfile de Páscoa, de Charles Walters, com Fred Astaire e Judy Garland, e Dá-me Um Beijo, de George Sidney, com Khaterine Grayson e Howard Keel. Neles, exibiu-se no esplendor de sua forma e com parceiros à altura. À altura, aliás, é falar pouco, levando-se em conta que se trata de monstros sagrados desse tipo de arte como Astaire e Kelly.
Mesmo depois de passada a juventude, Ann Mil-ler continuou amealhando milhões com essa atividade tão dependente do vigor físico. Em companhia de Mickey Rooney encenou na Broadway o espetáculo Sugar Babies, justamente um tributo à era dos grandes musicais. Na verdade, os musicais já tinham entrado em declínio havia muito e Hollywood não se ocupava mais deles. Foram um fenômeno de popularidade até os anos 50, mas não sobreviveram às mudanças que se operavam na estética dominante do cinema comercial.
Aparentemente, o público queria filmes mais realistas, histórias “bem contadas”, com as quais pudesse se identificar e não essas fantasias embaladas às vezes por música de alta qualidade e encenadas por atores e bailarinos de primeira linha. De modo que, forçada pela idade e também pelo declínio do gênero em que se especializara, Ann Miller foi se afastando. Sua carreira no cinema, na prática, termina em 1956, mas ela se mantém ativa trabalhando na televisão e também no teatro. Deu-se bem, preparando o terreno para o sucesso de Sugar Babies que, como afirmou recentemente, havia sido responsável por sua independência financeira.
Ann Miller era tão natural na tela e no palco que tudo parecia fácil para ela. Engano. Como disse em entrevistas, exercitava-se como uma verdadeira atleta profissional para alcançar aquele nível de desempenho: “Tive de viver como uma freira durante a minha carreira. A vida de artista é muito muito solitária, e quando alguém trabalha duro como eu não tem muito tempo para se divertir”. No entanto, divertiu e deu muito prazer aos cinéfilos de sua época.