Uma câmera fotográfica é um artefato tecnológico humano. Vejamos como o neurocientista norte-americano Steven Pinker caracteriza um artefato: ?O que é um artefato? É um objeto apropriado para atingir alguma finalidade que a pessoa tenciona que seja usado para atingir essa finalidade. A mistura de tecnologia e psicologia faz dos artefatos uma categoria estranha?.
A câmera fotográfica é uma extensão do olho humano. E através da prática efetiva da Fotografia podemos desenvolver nossa criatividade; em outras palavras, podemos desenvolver nossa personalidade visual. Na verdade, é esta relação funcional entre câmera fotográfica e olho humano que explica e torna possível o uso da câmera fotográfica para desenvolver nossa função criativa. A câmera fotográfica pode ser um fator ativo no desenvolvimento da capacidade criativa humana. Ademais, o próprio Steven Pinker também diz que ?O olho é um órgão de processamento de informações, firmemente ligado ao cérebro – anatomicamente falando, [o olho] é parte dele?.
Fotografia Singular
Fotografia Singular seria esta visualidade única, pessoal, que cada praticante da Fotografia pode conquistar: imagens fotográficas nunca antes vistas, e intrinsecamente relacionadas à visão pessoal de mundo de quem as gera. Em suma, estamos falando de imagens fotográficas altamente criativas. Todo o grande artista da Fotografia conquista este grau de desenvolvimento visual.
Porém, tão importante quanto o conceito estético de imagem fotográfica singular, é o conceito de fotografia singular enquanto processo cognitivo, pois a conquista de um olhar fotográfico singular envolve um processo de desenvolvimento visual: de desenvolvimento de conceitos visuais vivos, uma vez que de ordem mental.
Diferentemente do que possa eventualmente parecer, o processo de desenvolvimento de uma mente criativa visual pode ser altamente prazeroso, uma vez que exige que a pessoa… fotografe! Porém, longe de não envolver dificuldades, este processo não conhece fim, uma vez que podemos desenvolver nossa mente criativa por efetivamente toda a vida, da mesma forma que podemos estudar música indefinidamente, apesar de já sabermos tocar nosso instrumento. (A forma específica de o praticante da Fotografia desenvolver sua fotografia singular será abordada em outro ensaio.)
Cabe aqui assinalar que o praticante da Fotografia Singular deparar-se-á com objetos visuais fotográficos mágicos, de beleza inefável. Estes objetos visuais de grande intensidade significativa, os numens, propriamente dito, são os fatores visuais chave desta prospecção multidimensional de nossa personalidade visual.
Por exemplo, o que é mágico na imagem ?Tabuinha com o Sol?? O filósofo Villém Flüsser diria acertadamente que a imagem fotográfica como um todo é mágica. Mas indo além, podemos afirmar que um objeto visual mágico nesta imagem é o Sol. O Sol visto numa tabuinha é algo fantástico; e justamente este Sol fantástico tende a deslocar o nosso pensar do modo intelectual para o modo inconsciente. É interessante também o fato de que esta fotografia foi produzida após o fotógrafo ter literalmente sonhado com a cena.
O fator mágico no ?Beijo? de Robert Doisneau
Estes objetos visuais de ordem fantástica são encontrados virtualmente em todas as grandes imagens fotográficas. Em ?O Beijo? (Le Baiser de l’Hotel de Ville, Paris, 1950) de Robert Doisneau, por exemplo, vemos um vulto próximo de um poste escuro localizado na porção esquerda da imagem. O vulto toca os cabelos da mulher que é beijada. Na verdade, o casal, símbolo da vida, é tocado pela representação universal da morte. É a morte tornando mais flagrante a percepção da vida. A análise das imagens desta sessão fotográfica de Robert Doisneau, bem como de seus relatos biográficos, sugere que a representação da morte foi inconscientemente posicionada ali pelo fotógrafo. O fato é que este númen intensifica a nossa percepção de ?O Beijo?.
Disso pode-se ver que a Fotografia é uma grande aliada de quem deseja aumentar seu grau de criatividade. Sendo uma extensão de nossos olhos e, portanto, de nossa mente, naturalmente a Fotografia se posiciona com destaque no século XXI como uma das tecnologias mais apropriadas para que o cidadão enfrente os desafios pessoais e profissionais de toda uma nova era.
Roberto Lopes (robertolopes@pron.com.br) é fotógrafo, pesquisador da imagem e editor do site de tecnologia fotográfica exclusivo do Paraná-Online ? Pensamento Fotográfico. Atualmente trabalha em um livro sobre a dimensão intelectual da Fotografia.
