João Falcão acalenta o desejo de montar uma versão teatral do romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, há muitos anos. “Desde quando vi a primeira novela inspirada no livro, em 1975”, conta ele, que só começou de fato a trabalhar no projeto em 2008, com o interesse do produtor irlandês Kevin Wallace, da Tempo Entertainment. Na época, o espetáculo foi inscrito nas leis de incentivo fiscal e autorizado a captar R$ 9,4 milhões, mas a produção ficou em suspenso até ser retomada no fim de 2015 – João Falcão preferiu não abrir mão de nenhuma etapa de seu processo criativo.
É justamente essa forma inusitada (para os outros) de trabalho o grande trunfo de Gabriela, Um Musical – isso porque o espetáculo, agora orçado em R$ 2 milhões, estreia sem patrocínio, dependendo principalmente do retorno de bilheteria.
João Falcão é o artista que se prende mais às artimanhas da criatividade que à rigidez das regras fixas. Por causa disso, no início do processo, não se preocupou em definir o papel que cada ator interpretaria na peça – com exceção da bela Daniela Blois, escolhida em audição para o papel principal. “É um trabalho conjunto: eu ofereço uma ideia e os atores retribuem com outra. Assim, vamos aos poucos descobrindo os caminhos e cada um vai ocupando um espaço”, comenta ele que, até a semana passada, ainda não tinha desenhado o fim do espetáculo.
Mas, nada de pânico – depois de uma ligeira desconfiança inicial, os atores que ainda não conheciam o método João Falcão descobriram a vantagem (e o risco) de se criar sem amarras. Um desafio mesmo para os mais experientes, como Leo Bahia, que já trabalhou com o diretor na Ópera do Malandro. “João gosta de trocar estímulos”, conta o ator, que vive com precisão o tímido professor Josué.
Nesse jogo, a encenação torna-se valorizada e os jogos teatrais predominam. Assim, longe de uma encenação naturalista, a imaginação do público é constantemente acionada. Para isso, uma cenografia abstrata faz uso de muitas armações de metal e também de esteiras rolantes. “É um detalhe aparentemente simples, mas que traz incríveis soluções para momentos vividos dentro de um barco ou mesmo quando os personagens cruzam com outros ao caminhar pela vila”, observa o ator Luciano Andrey.
Falcão conseguiu também um ponto essencial para a peça: a representação da naturalidade de Gabriela a partir da inexperiência de Daniela Blois. “Ele me deixou livre durante quase todo o processo”, conta ela, que só nas últimas semanas é que recebeu as primeiras orientações. “No começo, Dani representava como se fosse para a TV. Daí só precisei abrir para o palco”, conta Falcão, que montou a trilha com obras de autores como Dorival Caymmi (Vatapá), Milton Nascimento (Cais) e Marisa Monte (Vilarejo), entre outras.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.