Uma das coisas mais difíceis para uma banda de rock hoje em dia é conseguir emplacar hits com freqüência sem perder a qualidade ou o conceito. Os californianos do Cake, que iniciam turnê por quatro cidades brasileiras na semana que vem, conseguem essa proeza há quase dez anos, desde que estouraram com a soturna regravação de I Will Survive, de Gloria Gaynor.
Formado por John McCrea nos vocais, Xan McCurdy na guitarra, Gabe Nelson no baixo e Vince Di Fiore no trompete, o Cake colocou Sacramento, capital da Califórnia, no mapa do rock ao produzir músicas com grande influência do folk e do jazz. O grupo conseguiu sucesso mundial com hits como Never There, The Distance, Short Skirt/Long Jacket, inclusive nas rádios brasileiras, sem cair na tentação do ska californiano, mais digerível e que projetou nomes como No Doubt e o sumido Mighty Mighty Bosstones. "A Califórnia está na nossa música de maneira mais diluída. No clima quente, na idéia de música para unir as pessoas, dançando ou relaxando", explica Di Fiore, trompetista do grupo, em entrevista por telefone à Agência Estado.
Por mais que os vocais graves de McCrea sejam característica única do Cake, muito da versatilidade e da identidade da banda vem dos trompetes de Di Fiore, que, antes do Cake, tocou seu instrumento em bandas punks como Pounded Clown, que participou do underground californiano na virada dos anos 80 para os 90. "O trompete é o que dá a acidez ao nosso som. Ele também ajuda a dar a unidade da banda", explica.
Além de ser a fonte de muitos dos arranjos jazzísticos de McCrea e sua trupe, o trompete é responsável por trazer algumas sonoridades latinas ao som dos californianos. Um exemplo clássico é Perhaps, Perhaps, Perhaps, do álbum Fashion Nugget, de 1996, primeiro álbum do Cake a ter visibilidade aqui no Brasil. A faixa é uma charmosa versão em inglês do clássico de 1947 do cubano Osvaldo Farrés, Quizás, Quizás, Quizás, que ficou célebre na trilha de O Homem que Sabia Demais, filme de 1956 de Alfred Hitchcock, e no enredo de Vem Dançar Comigo, musical de 1992 do diretor Baz Luhrmann.
A música brasileira não é tão influente para o Cake como é, por exemplo, no som do também californiano Beck, mas chega a ser explorada. "Gostamos de muitas coisas, inclusive da Tropicália", revela Di Fiore. Ouvidos mais acostumados aos hits da banda podem estranhar quando a guitarra de Xan McCurdy ficar mais pesada, quando os vocais de McCrea se tornarem discretos e também quando a eletrônica entrar em ação, na forma de samples e efeitos sonoros. O álbum mais recente deles, Pressure Chief, lançado no fim do ano passado, aprofundou as experiências com elementos eletrônicos, mas não modificou a identidade da banda. "Não dá para dizer que estamos mais eletrônicos. Sempre utilizamos esse tipo de som, nossos shows sempre tiveram três ou quatro teclados eletrônicos", esclarece o trompetista.
O Cake testa os ouvidos de seus fãs paulistanos a todo esse leque musical pela segunda vez no dia 5, quando se apresenta no Hotel Unique, em São Paulo. Seis anos e dois álbuns depois de sua apresentação no Free Jazz Festival de 1999, a principal expectativa da banda é conhecer outras cidades brasileiras. "Vai ser legal tocar em Porto Alegre, Curitiba e Goiânia. O rock é universal, as reações são as mesmas praticamente em qualquer lugar do mundo, mas é sempre interessante conhecer lugares novos e distantes", opina Di Fiore.