O lançamento de …E a música de Tom Jobim, o primeiro álbum de Roberto Carlos com nome nos últimos oito anos (e o segundo desde O inimitável, lançado há exatos 40 anos), reacendeu a disputa eterna entre os especialistas e fãs de música. Afinal, quem é melhor? É o Rei, e seu estilo romântico-parnasiano? Ou Caetano Veloso, o sempre polêmico e devoto confesso de João Gilberto?

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A disputa entre os fãs dos cantores passa da simples querela musical, e chega às ideologias. Apesar de os conceitos de direita e esquerda estarem superados neste nosso ‘neomodernismo’, há muitos militantes da esquerda que ainda relegam Roberto Carlos a um segundo plano, de artistas populares e ligados com o regime militar.

Usam como refe-rencial a explosão do cantor, que começou a fazer sucesso em 1964 (ano da Revolução) e teve seu ápice nos anos 70 e 80 (apogeu e decadência do regime). Coincidência ou não, o Rei nunca fez depois o sucesso que fizera naquele tempo – isto mesmo considerando-o, ainda, o maior fenômeno de popularidade da cultura brasileira.

Já Caetano, para quem é fã de Roberto, é exatamente o contrário do Rei. Afinal, Caetano é iconoclasta, não mede suas palavras e é um transgressor típico. Escreveu na história da música brasileira seu nome com tremendas composições, mas também na gênese da Tropicália e na série de confusões em que se meteu e de discussões com quem não compreendia seus ideários. Bem diferente do estilo recluso de Roberto, que só entra em cena para ‘atropelar’ quem o descontenta, como os biógrafos não-autorizados.

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Discutir Roberto x Caetano é como discutir Roberto x Chico, ou Chico x Caetano. É entrar em um terreno minado, onde qualquer opinião será questionada. Não bastará apenas entrar nas virtudes e defeitos deles como artistas, mas também como pessoas e ‘seres políticos’.

Até mesmo os elogios podem ser considerados ironias. Como artista, Roberto Carlos é colocado em um patamar menor como compositor – muitos garantem que Erasmo Carlos é que é o bom mesmo. Elogiá-lo, como muitos fizeram nos shows de homenagem a Tom Jobim (que foram compilados no CD e no DVD … E a música de Tom Jobim), representa dizer, nas entrelinhas, que o Rei sabe mesmo é cantar, pois compor é assunto para o Tremendão.

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Com tanta conversa e polêmica, saem do foco justamente os assuntos que interessam. Afinal, os shows (e os discos decorrentes) foram bons? A música de Tom foi honrada pelos cantores? E, por que não, quem foi melhor?

A primeira e a segunda perguntas precisam partir de um preceito básico: o que se espe-rava do show? A crítica de São Paulo desancou o show porque ele não trazia elementos novos à Bossa Nova – por sinal, Caetano Veloso ficou irritado e escreveu impropérios em seu blog sobre os jornalistas paulistanos. Se a idéia era imaginar algo transgressor, certamente iria se decepcionar.

A ‘transgressão’ do evento foi conseguir tirar Roberto Carlos do marasmo, colocá-lo cantando coisas que não são dele e fazer com que ele – para completar – fizesse um álbum completamente inusitado em sua carreira (no caso, este que está sendo lançado). Mais que isso seria impossível, pois tanto o Rei quanto Caê sempre foram reverentes à obra de Tom Jobim. Não mudariam isto depois dos 60 anos.

Então, quem não esperava inovações, mas esperava boa música, saiu satisfeito. Daí vêm as respostas das duas primeiras perguntas. Foram bons shows, e Tom saiu ileso das interpretações – e provavelmente teria gostado. Sobre quem cantou melhor, até mesmo os críticos mais ranhe-tas concordam. Dando a Caetano Veloso a honra de ter ‘se arriscado’ mais, com músicas mais desconhecidas, como Castelo de pedra e O que tinha de ser, os shows e o disco são de Roberto.

É ele quem consegue cantar mais baixinho, conseguindo ser mais “joãogilbertiano” que Caetano. É ele que tem os melhores momentos, um deles sendo até covardia – o dueto eletrônico com Tom em Lígia. Por isso, e também porque a capa é azul, …E a música de Tom Jobim é um disco de Roberto Carlos. Atípico, e por isto mesmo imperdível.