Caetano Veloso é conhecido por lançar um olhar generoso sobre as antigas e novas gerações da música. De Clementina de Jesus a Maria Gadú e Majur. Muitas das descobertas de talentos, aliás, se dão – ou se potencializam – nas “cantorias”, como sua mulher, a produtora e empresária Paula Lavigne, define os encontros musicais organizados na casa deles. Assim foi com o clarinetista Ivan Sacerdote. “O cantor e compositor Magary Lord trouxe esse clarinetista uma noite aqui em casa. Todo mundo ficou encantado com a doçura do sopro e com a musicalidade dele”, lembra Caetano, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

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Nasciam ali a amizade e a parceria entre os dois. Ivan passou a frequentar outras “cantorias”. Caetano tocava algumas coisas, o clarinetista improvisava. Fazer um disco juntos não foi algo planejado. Paula sugeriu que eles gravassem só canções de Caetano. Entraram músicas como Trilhos Urbanos e Desde Que o Samba é Samba. Nove músicas da obra de Caetano foram regravadas pelos dois de forma intimista e bastante delicada – em voz, violão e clarinete – e fazem parte do repertório do disco Caetano Veloso & Ivan Sacerdote. O álbum, que conta com a participação do sambista Mosquito e do violonista Cezar Mendes, estará disponível nas plataformas digitais a partir desta quinta-feira, 16. O show de lançamento do projeto será no dia 8 de fevereiro, no Teatro Castro Alves, em Salvador.

Aos 32 anos, Ivan Sacerdote iniciou na música aos 11 anos e no clarinete, aos 13. Nascido no Rio, fez carreira na Bahia. Estudou na Universidade Federal da Bahia e, morando e excursionando na Europa, ele conta, se encontrou com o jazz e com a obra de João Gilberto. Já de volta ao Brasil, começou a tocar com a cantora Rosa Passos e a se aprofundar na obra de Tom Jobim, Dorival Caymmi, entre outros.

“Tive o privilégio de dialogar com diversos artistas da cena soteropolitana e nacional, enriquecendo ainda mais minha pesquisa sobre o clarinete popular no Brasil. O trabalho com Caetano surge para consolidar essa pesquisa de todos esses anos”, diz Ivan, ao jornal O Estado de S. Paulo. “Ao emprestar suas composições, voz e violão para um disco nesses moldes, Caetano generosamente contribui para a valorização e a difusão da música instrumental feita no Brasil. Um artista dessa magnitude se voltar para a improvisação de um clarinetista é sinal de que a música brasileira não tem fronteiras.”

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Entrevista

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, por e-mail, Caetano Veloso fala sobre o disco Caetano Veloso & Ivan Sacerdote, gravado com o jovem clarinetista Ivan Sacerdote, e as recentes polêmicas envolvendo a HQ com o beijo gay na Bienal do Livro e o especial de Natal do Porta dos Fundos na Netflix.

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Quando e como você conheceu o trabalho de Ivan Sacerdote?

Acho que foi no verão de 2018. O cantor e compositor Magary Lord trouxe esse clarinetista uma noite aqui em casa. Todo mundo ficou encantado com a doçura do sopro e com a musicalidade dele.

Como surgiu a ideia desse disco em parceria?

Foi Paulinha quem me pediu para gravar umas canções com Ivan no estúdio de Carlinhos Brown. Gravamos tudo numa sessão só. Ele vinha aqui em casa, assim como outros músicos jovens e talentosos de Salvador, para fazer o que ela chama de “cantorias”. Às vezes eu cantava umas coisas, Ivan improvisava no clarinete. O que a gente fez no estúdio era quase uma coisa caseira, mas as pessoas acharam bonito. Paulinha considerou que o nível era profissional. Daí propôs que gravássemos vídeos na Vevo em Nova York. Deu certo. Tanto Ivan quanto eu ficamos muito contentes com o resultado.

Para esse projeto em duo, por que vocês decidiram por regravações e como chegaram a esse repertório?

Não havia plano de disco. Tocávamos em casa coisas já conhecidas. Eu me lembro de ter ficado impressionado com Ivan tocando Futuros amantes, de Chico Buarque. Quando Paulinha falou em gravar, pensei até em pedir que ele gravasse essa música, só tocando, com alguém ao violão (de preferência Felipe Guedes, outro jovem musicalmente genial da Bahia). Mas Paulinha queria que gravássemos só músicas minhas, para termos uma pequena antologia. Houve mais “cantorias” do que ensaios. Cezar Mendes, meu parceiro em Aquele frevo axé, é o único outro músico a tocar nessa série de gravações. Ele está sempre nas noitadas de música aqui em casa. Me lembro de ter dado umas acertadas de forma com Ivan, mas não ensaiamos muito. O repertório foi o que ele já gostava de tocar comigo. Mas claro que, sabendo que iríamos gravar, pensamos em mais umas outras coisas. Ivan pediu Peter Gast. Quando fomos para Nova York, Tom pediu que gravássemos Você não gosta de mim. Foi tudo fluido.

Como foi fazer novos arranjos especialmente para esse disco, para canções como Peter Gast (que na gravação original tem piano em destaque de Tomás Improta) e Aquele Frevo Axé, que ficou marcante na versão de Gal Costa?
Aliás, você nunca tinha gravado Você Não Gosta de Mim, só Gal, no disco Aquele Frevo Axé, certo?

Certo. Já contei alguma coisa sobre essas escolhas na resposta anterior. O que posso dizer é que os arranjos nasceram de improvisos. Combinamos a forma, o número de repetições, os andamentos – e tocávamos como saísse.

Por que você quis se dedicar a esse projeto antes de gravar seu novo disco de inéditas?

Não quis. Estava de férias em Salvador e esses encontros musicais surgiram como jogo prazeroso. Mesmo em Nova York, estávamos de férias. Paulinha é que chamou Ivan e Mosquito para lá e combinou de gravarmos. Não deu trabalho. Fizemos cada música uma vez. Os caras da Vevo ficaram impressionados com Trilhos Urbanos, com a rapidez com que saiu aquilo, que a eles parecia muito complexo, tão rapidamente. Eles achavam o ritmo difícil de decifrar e Ivan improvisava com muita facilidade em cima do meu violão que parece tocar a batida ao contrário.

Como vê os atuais casos de tentativas de censura, como ao beijo gay na HQ vendida na Bienal do Livro no ano passado e agora ao especial do Porta dos Fundos na Netflix?

Sou contra censura. Lancei É proibido proibir em 1968, em plena ditadura militar. Adorei a atitude de Felipe Neto em relação ao desenho do beijo gay. Vi o Especial de Natal do Porta dos Fundos com atraso. Mas ri à beça. Os atores são muito bons e as cenas irresistíveis. Venho de uma família muito religiosa, mas sempre achei muita graça em humor blasfemo. Entendo que alguns devotos protestem. Mas censurar por razões religiosas, não: não estamos no Irã. O Estado brasileiro tem agora liberais anglo-americanos inspirando a economia, como pode querer tomar atitude de aiatolás?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.