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Cacá Carvalho evoca fábula futurista

Em um das salas da casa de Lietta Aguirre, o ator Cacá Carvalho se preparava para apresentar A Poltrona Escura. A peça que estreou em 2003 integrava algumas das “novelas negras” do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936), avô de Lietta. Antes disso, Carvalho já tinha encenado a peça na própria casa-museu do autor de Um, Nenhum, Cem Mil. A sessão particular daquela noite teve cerca de 25 minutos e ficou na memória de todos. “Conversamos um pouco, ela me disse algumas palavras e me presenteou com a última página escrita pelo seu avô”, recorda o ator.

Protagonista da Trilogia Pirandello que circulou pelo Brasil e pela Itália, Carvalho estreia nesta quinta, 10, A Próxima Estação – Um Espetáculo Para Ler, no Sesc Pinheiros. Com texto e direção de Michele Santeramo, a montagem que estreou em 2015 na cidade de Pontedera vai na contramão do tradicional formato de peças feitas pelo ator.

Em cena, o foco é a relação do casal Massimo e Violeta, uma mistura de cara de gato com corpo humano. Juntos, os dois repassam o curso de suas vidas em seis estações, marcadas por intervalos de dez anos. A plateia vai acompanhar os primeiros relatos ocorridos 2015 até a derradeira década, em 2065. “Antes que tudo comece, o casal já tem uma particularidade: não era para eles terem nascido, e cada um à sua maneira”, explica Carvalho. “Essa condição se torna o primeiro motivo de conexão entre eles.”

Com a passagem de cada década, novos desejos e necessidades surgem na vida do casal. Em certo momento, eles discutem a vontade de ter um bebê. Concebido como um espetáculo para ser lido, o ator conta o desafio. “É diferente de tudo que já fiz, dos principais trabalhos da minha carreira”, cita em referência à corporeidade de peças como Macunaíma, encenada em 1978 por Antunes Filho, e Meu Tio, o Iauaretê, de Roberto Lage. Esta última teve na plateia o diretor polonês Jerzy Grotowski. “Eu não imaginava que uma peça tão complicada, com um personagem homem-animal iria fazer temporada na Itália. O melhor foi que Grotowski esteve por lá e pude aprender com seus principais herdeiros.”

De toda essa experiência, A Próxima Estação empresta a voz de Carvalho para ilustrar o perfil dos personagens. Isso não quer dizer que se trata de uma leitura encenada, na qual o ator encarna o tom de voz das personagens, dando a elas os primeiros rascunhos de suas personalidades. “É o que eu chamo de leitura objetiva, porque exige que o espectador esteja ativo e não apenas ouvindo uma história. Não há indicações de intenção ou da emoção do casal”, explica. Carvalho acrescenta que nas encenações tradicionais – compostas por cenário, figurino, luz e outros elementos – o espectador não precisa ativar um componente caro à experiência artística: a imaginação. “Esse trabalho procura oferecer a chance de que o público construa o ambiente para esse casal, suas manias e reações.”

A passagem do tempo também serve para conduzir a narrativa a um mundo distópico. “O casal tem problemas comuns e uma rotina em que precisam trabalhar para sobreviver. A sociedade está em crise e isso se reflete nas inovações tecnológicas, as quais não foram criadas para facilitar a vida.”

A voz de Carvalho se complementa com as ilustrações melancólicas de Cristina Gardumi. Ao mesmo tempo em que surge o absurdo em cenas com venda de sangue e pílulas para engravidar, a passagem dos anos revela a perda de vigor do casal. “Os diálogos antes fluidas ganham grandes silêncios. Tudo isso são peças oferecidas para o que o espectador imagine seu próprio espetáculo.”

A PRÓXIMA ESTAÇÃO – UM ESPETÁCULO PARA LER

Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195. Tel.: 3095-9400. 5ª, 6ª, sáb., 20h30. R$ 25 / R$ 12. Até 17/12.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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