O título acima, aparentemente enigmático, hermético, se não críptico, ficará mais claro se eu esclarecer que, em português, “bush” é arbusto, “tree” é árvore e “grass” é relva. Assim, a metáfora (talvez medíocre, admito sem relutância) fica mais transparente. E mais palatável.
Com a decisão pessoal, eminentemente pessoal, personalista, de declarar a guerra ou promover a invasão do Iraque, o presidente norte-americano imagimou tornar-se um grande estadista, talvez da estatura de Churchill, De Gaule, Adenauer, Roosevelt ou Kennedy. Ledo engano. O tiro parece ter saído pela culatra. Mesmo que ele venha a ser, como inevitavelmente será (pois a desproporção das forças é simplesmente astronômica) vitorioso na sua guerra privativa, feita ao arrepio da vontade da esmagadora maioria da opinião pública mundial, Bush certamente não ganhará um milímetro sequer na sua estatura física, e muito menos moral ou espiritual. Pelo contrário, o pequeno arbusto que imaginou tornar-se árvore gigantesca, acabou por tornar-se relva, a mais rasteira das ervas.
Estou profundamente convencido de que existem apenas duas razões éticas, ou justificativas morais, para que uma guerra aconteça: a justiça e a necessidade. No caso daquela que já pode ser considerada, em letras maiúsculas, como a guerra do Iraque, deflagrada pelo “imperador” George Bush Primeiro e Único, será ela justa? A esmagadora maioria da população do planeta entende que não é. Foi necessária? Não foi. Seja como for, é bom não esquecer que, a rigor, nas guerras nunca há vencedores plenos: todos são perdedores. Derrotados inglórios.
Uma coisa é certa: a guerra, antes de ser uma tragédia, é um ato de insânia. E deflagrá-la, com pretextos falsos, com razões falaciosas, com motivos mentirosos, é uma ignomínia.
Agora mesmo estou escutando, na CNN, pela enésia vez, o presidente Bush proclamando “urbi et orbi” que os EUA, no Iraque, estão apenas procurando as armas de destruição em massa que o ditador Saddam Hussein possui. Mesmo considerando que é um tirano que comanda o território que foi o berço da civilização, lá onde existiram outrora sumérios, caldeus, assírios e babilônios, às margens plácidas do Tigre e do Eufrates, uma pergunta se impõe ao observador isento: onde estão essas armas terríveis de destruição em massa? Na verdade, todos as estamos vendo – aeronaves invisíveis, mísseis poderosíssimos, tanques que são máquinas mortíferas, canhões titânicos que vomitam morte, bombas armagedônticas, se não apocalípticas, inclusive aquela pitorescamente (e sinistramente) denominada de mãe de todas as bombas. Só que, pelo que todos estamos observando nas imagens dantescas, talvez obscenas na sua violência quase pornográfica, pelos canais de tevê do mundo inteiro, essas armas que nós estamos todos vendo, “com olhos de ver” (Camões), não são iraquianas, mas ianques.
Confesso: é muito duro, é muito difícil escutar passivamente, sem possibilidade de reagir ao vivo, não verbal mas fisicamente, os discursos triplicamente falaciosos da conhecida empresa bélico-mercantil Bush, Powell & Rumsfeld, esse nefando triunvirato da morte. Liderado, visivelmente liderado pelo secretário de Ataque, perdão, de Defesa. Ele tem, por certo, “le physique du rôle”. O físico e a cara.
Temos aí três personagens de ópera bufa, mas que, ai de nós, são atores conspícuos de uma peça trágica, patética, digna, não de Molière ou Beaumarchais, mas de Ésquilo, Sófocles, Shakespeare ou Camus.
Voltando à vaca fria que, no caso, é a guerra quente, o tríplice discurso veiculando a tese das “armas de destruição em massa” lembra as antigas “estórias” das mil e uma noites da sedutora Sheherazade, que outrora habitou a mesma terra mesopotâmica, caldaico-assíria, onde hoje existe o Iraque. E onde se situou também o Jardim do Éden, conforme o relato do Gênesis bíblico, aceito como dogma incontroverso pelos fundamentalistas religiosos judaico-cristãos.
Em face da infinita comédia de erros, falácias e mentiras em que se transformou este possível embrião de uma Terceira Grande Guerra Mundial (oxalá que isso não aconteça, cruz, credo) eu quase sinto vontade de rir “a bandeiras despregadas”, como gostava de dizer o sublime Machado de Assis. Mas sou obrigado a chorar, escutando o dobrar melancólico dos sinos de John Donne, metafisicamente antipoéticos.
E por quem dobram os sinos, nas torres altaneiras dos templos onde impera, com seu suave e pacífico império, o Príncipe da Paz? Não, certamente, pelos mortos, que afinal encontraram a paz derradeira. Chegaram a porto seguro. Repousam no seio de Deus. Talvez na Sua mão direita, como queria santo Antero. Os sinos dobram, sim, por algumas criaturas sinistras que, parecendo vivas, estão mortas. Ou limitam-se a ser os pessoanos “cadáveres adiados que procriam” – e fazem guerras.
Enfim, concluo. É necessário concluir estas considerações, que estou alinhavando dias antes da sua publicação. Terão perdido atualidade, estarão superadas, “hic et nunc”?. Responderia Cervantes, com hispânica e quixotesca convicção: “no lo creo”.
De uma coisa estou certo: se é inevitável a vitória final das colossais forças bélicas anglo-americanas (em termos puramente materiais, é claro), é irreversível a sua fragorosa derrota moral. Penso que, se compulsados dentro de cem anos os anais da História contemporânea, neste limiar de século e de milênio, será esse o seu veredito definitivo. Irrecorrível. “Dixi”.
“Post Scriptum”: Lendo e relendo, devagar, o texto que escrevi acima, constato a existência de alguns “excessos” retóricos a que sou refratário, consuetudinariamente. Justifico esses excessos – ou pelo menos, tento justificá-los – esclarecendo que eles foram fruto, primo, de uma insopitável indignação; secundo, daquele processo criador que André Breton, o mestre do surrealismo, rotulou como extrema propriedade de “écriture automatique”.
Quase me sinto tentado a reescrever o texto acima, eliminando os retromencionados “excessos”. Mas, pensando melhor, “quod scripsi, scripsi”. O que escrevi está escrito. Data vênia ao inefável Pôncio Pilatos, que tem o “copyright” da expressão.
“Last but not least”, manifesto uma dúvida quase hamletiana: será que Bush e Blair vão conseguir resistir ao impacto negativo do seu “auto-réquiem” a quatro mãos? “Chi lo sa?” Eu, mesmo sem ser futurólogo, e sem possuir uma bola de cristal de confiança, penso que não.
João Manuel Simões é poeta, ensaísta, crítico e contista.