O projeto idealizado para Brasília, e o que a cidade testemunhou nos últimos anos. As políticas de preservação das terras indígenas. O relação do poeta Carlos Drummond de Andrade com a mineração. Esses foram os principais temas debatidos na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) na quinta, 11.
A antropóloga Aparecida Vilaça, pesquisadora do Museu Nacional do Rio e autora de Paletó e Eu (Todavia), abriu a programação do dia com um relato sobre sua relação com Paletó, indígena da etnia Wari, que, além de ser parte da sua pesquisa antropológica, a adotou como filha. A pesquisadora ainda criticou os retrocessos nas políticas de preservação das culturas indígenas.

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“Os indígenas viraram alvo novamente. É um retrocesso absoluto, parece que estamos voltando aos anos 1960, pois os direitos garantidos pela Constituição de 1988 estão sendo ameaçados. Embora haja uma certa confusão de decretos, que vão e voltam, e felizmente o Congresso tenha sido atuante em não deixar passar algumas medidas, só a manifestação dos membros do governo, o desprezo pela cultura indígena e o interesse manifesto em deixar agricultura e mineração de grande porte tomar essas áreas, já autoriza as pessoas a invadirem as terras”, comentou – e falou também sobre o esforço dos profissionais do Museu Nacional para a reconstrução da biblioteca de antropologia da instituição, que era a maior da América Latina até o incêndio, em setembro de 2018.

A mineração, uma questão que passou a chamar a atenção do brasileiro mais recentemente, com o rompimento das barragens da Vale do Rio Doce em Mariana e depois em Brumadinho, sempre incomodou Carlos Drummond de Andrade e essa relação foi tratada pelo professor de literatura, crítico literário e compositor José Miguel Wisnik em seu livro A Maquinação do Tempo e no palco da Flip.

Wisnik visitou Itabira, cidade natal de Drummond (onde ele passou a infância e a adolescência) em 2014. “Drummond cresceu de frente para o crime. Ele foi testemunha profunda do acontecimento central da mineração do Brasil”, diz Wisnik. Da janela de sua casa, ele via Pico do Cauê, que desapareceu após anos de exploração pela mineradora.

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Uma ironia

A Vale chegou a usar um verso de Drummond, um dos mais conhecidos, e muito criticado na época do lançamento, em um anúncio que o escritor, como um bom funcionário público, guardou num fichário ao lado de tudo o que foi falado sobre No Meio do Caminho. No anúncio projetado no telão da Flip, lia-se: “Há uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro”. Era um elogio da quantidade de toneladas exploradas e importadas.

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Ao final do livro, assunto também do final da mesa, Wisnik evocou o vídeo do garoto Vitor, feito durante manifestações em Salvador em 2016, em que ele declamava E Agora, José?. “Um garoto em condição de vulnerabilidade dizendo esse poema de maneira tão densa e que faz essa pergunta que é fundamental… E agora, José? é a pergunta que o Brasil vive”, disse Wisnik, que comentou ainda sobre os ataques que a cultura e a educação vêm sofrendo e leu um poema recente de Arnaldo Antunes e Cezar Mendes dedicado a João Gilberto. Foi aplaudido de pé.

Um pouco antes, quem subiu ao palco foi o filho do crítico, o arquiteto Guilherme Wisnik, para uma conversa intercalada com música e que contou com a participação da cantora Adriana Calcanhotto e do também arquiteto Nuno Grande. O debate sobre o aspecto moderno e democrático da arquitetura brasileira provocou reações políticas e dividiu a plateia. O motivo foi a apresentação de uma foto do então deputado federal Jair Bolsonaro no momento em que votava a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Houve vaias e aplausos. Em seguida, surgiu no telão a imagem mostrando o muro temporário que foi levantado em Brasília no dia da votação do impeachment. “Burle Marx jamais pensaria em ver uma imagem como essa”, disse Wisnik.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.