São Paulo – Paulistano, 28 anos, Eduardo Gurman viveu o que, para muitos, poderá parecer um conto de fadas. Formado em desenho industrial e em publicidade, foi estudar em Los Angeles, no conservatório do American Film Institute. Integrou uma turma de seis alunos no curso de pós-gradução em mídia digital. Um deles era francês e foi por intermédio dele que Gurman foi parar na empresa Spectrum, contratado para fazer os efeitos especiais de uma grande produção. Ao assinar o contrato, descobriu que eram duas: Matrix Reloaded e Matrix Revolutions. “Fiquei rindo sozinho, feliz da vida”, conta Gurman.
Afinal, o cult Matrix, dos irmãos Wachowski, virou um fenômeno. O filme faturou US$ 460 milhões, a maior renda da Warner, tornou-se o preferido dos espectadores jovens, vidrados na internet, e ganhou defensores entre intelectuais, que o viram como algo muito maior que um mero blockbuster. Gurman ainda não viu Matrix Reloaded. Viu só cenas isoladas, que o empolgaram. O filme estréia hoje nos EUA. Também hoje, terá sessão especial no Festival de Cannes e sua primeira exibição pública no Brasil. Vai ser em São Paulo, exclusivamente para jornalistas e convidados. Gurman vai estar lá. Diz que está excitado, ansioso, mas não é isso que a voz transmite. Ele fala com calma, é didático ao expor seus pontos de vista. Ele está de volta ao Brasil há um ano. Fundou uma empresa especializada em efeitos, a Sync. Pede para fazer um comercial: o site da empresa, que relata suas qualificações, o tipo de trabalho que está habilitado a fazer (e fez em Matrix Reloaded), pode ser acessado no endereço www.syncdigital.com.br.
Última palavra
São efeitos de última geração. Gurman foi contratado pela Spectrum para tratar, especificamente, do programa de motion capture de Matrix. Foi o mesmo que possibilitou a criação do Gollum, em O Senhor dos Anéis – As Duas Torres. O Gollum foi o melhor ator do ano passado, mas foi esquecido no Oscar. Nada menos surpreendente: o Gollum não existe. É uma criação digital. “Então é esse programa que vai nos substituir?”, perguntava rindo Samuel L. Jackson no set de Matrix Reloaded. Gurman sabe que, com o motion capture, podem ser criadas figuras digitais que representem, mas não acredita que elas devam substituir os atores. Acha fantasioso que se criem simulacros de Marilyn Monroe, James Dean e Elvis Presley para interagir.
De cair o queixo
O motion capture não prescinde do suporte do corpo do ator. Graças a sinais luminosos que são colocados em pontos estratégicos dos corpos dos atores e figurantes, o programa permite a formação de seus esqueletos, rigorosamente individualizados, no computador. A partir daí, por meio da computação gráfica, se criam as cenas coreografadas pelo mestre de artes marciais Wo Ping, que deixam o público siderado na fantasia dos irmãos Wachowski.
Gurman vestia os sinais luminosos dos atores e figurantes. Tinha por missão especial, todo dia, durante oito meses, aplicar os sinais nos pés de Keanu Reeves, o astro da série. O brasileiro tem certeza de que as pessoas que virem hoje Matrix Reloaded – a estréia será no dia 23 – vão se perguntar: “Como eles fizeram isso?” Há cenas que lhe parecem antológicas: a da luta na caverna e a da perseguição, por exemplo.
Há 35 anos, o diretor Peter Yates criou, num thriller com Steve McQueen, Bullitt, a seqüência de perseguição de carros que virou um marco do cinema de ação. Gurman sabe disso. Acha que as novas tecnologias permitem agora que se vá mais longe no rumo do aperfeiçoamento dos efeitos. Mas ele continua achando que o efeito não vale por si só. Vale pelas idéias que quer expressar, as histórias que quer contar. A de Matrix Reloaded é fascinante: no mundo futuro, os homens são escravizados pelas máquinas, que criam um mundo virtual que parece real para eles. Gurman leciona na Mackenzie, onde até há pouco era aluno. E tem planos de fazer, com sua empresa, uma série infantil para TV. Está entusiasmado com o projeto. Sabe que sua história parece um conto de fadas, mas na verdade é produto de esforço. “Tive oportunidades que soube aproveitar”, explica.