Bonitinha ganha nova versão para as telas

Moacyr Goes levou quatro semanas para filmar sua adaptação da peça Bonitinha mas Ordinária, de Nelson Rodrigues; o produtor Diler Trindade levou quatro anos para finalizar o filme. Acostumado a produzir rapidamente, e com profissionalismo – os filmes da Xuxa, por exemplo -, ele fez um relato de suas dificuldades no Cine PE. Chegou a tomar dinheiro emprestado, endividando-se além da conta. Leis de patrocínio? As diretorias de marketing das empresas não queriam nem ouvir falar em associar suas marcas ao universo rodriguiano.

A dificuldade estimulou a dupla além da conta. Bonitinha é o melhor filme de Goes e um dos melhores de Diler. Antes que você torça o nariz, achando que não significa muito, lembre-se de que Diler produziu também Justiça, de Maria Augusta Ramos, e A Máquina, de João Falcão, ambos ótimos. O próprio Goes, que filmou bastante – como diretor contratado -, finalmente se faz homem de cinema com um filme que, segundo suas palavras, “tem mais a ver com meus demônios”.

Importante diretor de teatro, Goes admite que fez Bonitinha para superar sua inveja dos closes. Quando o espectador vê uma peça, o ator está longe, no palco. O cinema permite ao diretor mostrar o olho do intérprete. Cinema, já dizia Nicholas Ray, é a melodia do olhar. Goes segue a lição e se dá bem. Mas o que faz a força do seu filme não é só a mise-en-scène, mas aquilo a que ela serve – a releitura de um clássico da dramaturgia do País. O clássico pode ser eterno, mas se atualiza pelo olho de quem o relê, ou vê.

Goes fez Bonitinha atraído pela crise de valores na sociedade brasileira que a peça expressa. Se isso já era forte quando Nelson escreveu seu texto, tem tudo a ver com o Brasil de hoje – a necessidade de construção da ética. Na trama, Edgar (João Miguel) é forçado a um casamento de conveniência que poderá lhe render um cheque de R$ 5 milhões. “Baixa a cabeça”, lhe diz a mãe, enquanto lava seu cabelo. O conselho, quase uma ordem, é para que Edgar deixe de ser o homem ereto que gostaria de ser – inspirado no pai -, submetendo-se ao poder do dinheiro.

A grande sacada do diretor está no deslocamento do eixo dramático. Peixoto, que faz a oferta do casamento para Edgar, costuma ser a representação do canalha. Goes não cede ao estereótipo. Transforma Peixoto num personagem trágico. Isso não apenas cria outra perspectiva como permite que o ator que faz o papel – Leon Goes, irmão do diretor – apresente uma das maiores interpretações do cinema brasileiro. Exagero?

Aguarde para ver Bonitinha. O Festival do Recife, Cine PE, termina nesta quinta-feira (2). Ontem (1º) à noite foi exibido Aos Ventos Que Virão, de Hermano Penna. Até ele, Vendo ou Alugo, de Betse de Paula, e o filme de Goes são os longas mais “premiáveis”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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