Bob Fosse (1927-1987) foi um dos maiores coreógrafos da Broadway e do cinema americano. Assinou, com sofisticação e elegância impressionantes, um idioma próprio dentro da dança. “Fosse é difícil, é real, dinâmico, extraordinariamente teatral, extremamente americano, cheio de movimentos únicos”, observou o diretor de musicais e ex-bailarino Stanley Donen, colega de Fosse em filmes como O Parceiro de Satanás, Um Pijama para Dois e O Pequeno Príncipe. E prosseguiu: “Seus movimentos são pequenos e carregados de significado, que contrastam com gestos violentos – a maneira como usa as mãos, como segura seu chapéu, com o pulso contra a testa; Fosse brilhava no que outras pessoas chamariam de posições deselegantes, mas que ele tornava maravilhosas e cheias de estilo”.
Robert Louis Fosse exercitou-se como ator e diretor no teatro e no cinema, entendendo com precisão as sílabas do palco e da tela. Melhor: sabia lidar muito bem com linguagens tão distintas. Basta observar o espetáculo Sweet Charity, que estreou em 1966 na Broadway – quando adaptou a versão cinematográfica, três anos depois, marcando sua estreia na direção, Fosse criou uma coreografia específica para a câmera. Era a mesma coisa, mas também não era.
No Brasil, Sweet Charity recebeu o título de Charity, Meu Amor, filme que finalmente chega em DVD pelo selo Obras Primas. Por sua vez, a trama é inspirada em outro grande filme, Noites de Cabíria, de Federico Fellini. A obra do genial cineasta italiano, aliás, instiga os criadores de musicais – Nine, por exemplo, partiu de Fellini 8 e 1/2.
Fosse se preparou da melhor maneira possível. Entre os valiosos extras do DVD, está um pequeno making of narrado pelo próprio cineasta. Ele conta que, antes do início das filmagens, passava os fins de semana visitando o estúdio, buscando familiaridade. “Logo descobri que o local de filmagem era quatro vezes maior que palco de um teatro”, assusta-se. Também testava movimento de câmera – para Fosse, não havia imagem estática, especialmente nos números de dança.
Basta ver a composição de um dos melhores números do filme (e do musical), Big Spender. As mulheres do cabaré reúnem-se atrás de uma longa barra e dançam, tentando atrair a atenção de algum freguês, que assiste à cena do outro lado, sentado em uma mesa. “No teatro, elas ficavam próximas da barra, mas, no cinema, precisei criar movimentos de câmera e coloquei as atrizes também se mexendo, para dar mais dinamismo.”
O filme conta a história de Charity (Shirley MacLaine), prostituta de bom coração que busca o grande amor. Logo no início do filme, é roubada por um pretendente malandro e sua luta inglória é conseguir se casar. Quase consegue, mas, no momento exato, é deixada esperando no altar. O final tem uma forte inspiração hippie e, apesar de esperançoso, não deixa de ser amargo – bem diferente do final alternativo, mais romântico, que também consta entre os extras.
Na Broadway, o papel de Charity foi vivido por Gwen Verson, excepcional intérprete – terceira e última mulher com quem Fosse foi casado, ela já exibia seu grande talento em números como Whatever Lola Wants, de O Parceiro de Satanás (Damn Yankees). Conhecia perfeitamente o método do coreógrafo e, por ser leve e ágil, traduzia em passos perfeitos a criação de Fosse.
Os executivos da Universal, no entanto, achavam que Gwen, aos 43 anos, era velha para o papel e escalaram Shirley, de 34, que, apesar da enorme boa vontade, era apenas esforçada, Mesmo assim, Charity, Meu Amor traz números memoráveis, além das participações de Ricardo Montalban, Samy Davis Jr. e Chita Rivera. Com Fosse, o musical recuperou o estilo.