Ninguém estranha quando um texto de teatro ganha uma nova montagem ou se produz uma nova versão de um velho filme. O que vale é se a história é boa e os personagens são interessantes. É seguindo esta lógica que as emissoras andam recorrendo tanto a tramas que fizeram sucesso em outras épocas. Atualmente, além de Sinhá Moça, que está no ar, remakes de O Profeta e Bicho do Mato estão prestes a estrear, na Globo e na Record, respectivamente. E ainda Sítio do Pica-pau-amarelo, Carga Pesada e A Grande Família. Isso sem falar nas recentes Cabocla e A Escrava Isaura e da compra dos direitos sobre Pantanal pela Globo, que será adaptada nos próximos dois anos.
O número crescente de remakes pode aparentemente facilitar o trabalho dos autores, mas nem tanto. Os que se aventuram a recontar uma história, muitas vezes têm de pegar novelas que cada capítulo tinha apenas oito cenas, com 25 minutos no ar, e transformar numa trama de até uma hora de duração, em 40 cenas diárias. E ainda por cima, com mais agilidade na forma de edição. Por isso, Benedito Ruy Barbosa, autor de Cabocla e Sinhá Moça, deu uma sugestão às suas filhas Edmara e Edilene, que adaptaram as tramas das seis do autor. "Elas transformam em cenas o que eu dizia em entrelinhas. Tudo o que eu sugeria nas novelas originais agora elas convertem em cenas", entrega.
Cristianne Fridman, que adapta a novela Bicho do Mato com o autor Bosco Brasil, concorda que é preciso ter jogo de cintura. A autora releu a obra de Chico de Assis, produzida em 1972, apenas para se inspirar. Afinal, o ritmo de 30 anos atrás era muito mais lento, no estilo novelão, com cenas muito longas. "A sedução era através dos diálogos, pois os cenários e equipamentos não ofereciam tantos recursos e atrativos. Na época da Janete Clair tínhamos mais romantismo. Agora as novelas viraram uma seqüência rápida de eventos. O ‘remake’ vem para equilibrar o conteúdo do original com a velocidade atual?, analisa Cristianne.
Para Antônio Calmon, no entanto, a sedução dos remakes é justamente dar uma pausa na agitação dos dias atuais. "É terrível ficar retratando a realidade apocalíptica de hoje. Os ‘remakes’ nos remetem a momentos mais tranqüilos. É como um sedativo das telenovelas diante da violência atual", ressalta o autor, que assegura que jamais vai tentar produzir um remake. "Acho que eles funcionam porque já fizeram sucesso antes e isso já é meio caminho andado. Mas nunca farei um", garante Calmon, que sempre exibe suas tramas no horário das sete.
Todos os horários
Embora os remakes na Globo normalmente sejam apresentados no horário das seis, a carência de autores em diversos horários da emissora muitas vezes implica no crescente investimento dos remakes. "A carência de autores é uma realidade. Há muita gente nova que não tem chance de mostrar seu trabalho num horário das oito, por exemplo", constata Tiago Santiago, que adaptou A Escrava Isaura na Record, trama responsável por alavancar a audiência na dramaturgia da emissora. O mesmo pensa o autor Manoel Carlos, que após a novela Páginas da Vida, próxima das oito da Globo, pretende adaptar A Sucessora, trama assinada por ele e que foi ao ar em 1978. "Nas oito, por exemplo, somos uns cinco autores que se revezam. Seria mais saudável que tivessem mais. É preciso que se dê chance aos outros", sugere.
Na verdade, para qualquer emissora, é mais garantido aprovar uma trama já pronta, com uma espinha dorsal montada e personagens estruturados, que já tenham conquistado o interesse do público em outra época."Mas uma boa história só pode ser contada novamente se tiver uma boa estrutura de texto, que é o elemento fundamental", explica Carlos Lombardi. "Uma história já testada, ainda que precise ser reescrita completamente, também funciona como uma bússola para os autores", avalia Tiago Santiago.
De volta ao passado
Além dos autores, muitos atores têm experiências bastante particulares com os remakes. Alguns deles, além de atuar nas tramas originais, por vezes são escalados para a mesma história anos mais tarde, mas na pele de outros personagens. Patrícia Pillar, Francisco Cuoco, Rubens de Falco e Milton Gonçalves, por exemplo, já passaram pela experiência de atuar duas vezes na mesma novela. Na primeira versão de Sinhá Moça, há exatos 20 anos, a misteriosa Ana do Véu, hoje interpretada por Ísis Valverde, era vivida por Patrícia Pillar. "Acho que a história está mais elaborada, mas é tão difícil perceber as mudanças! É como se eu lembrasse do pintor pincelando a tela e hoje eu a vejo com outra paisagem", compara a atriz, que nessa versão vive Dona Cândida, a mãe da protagonista.
Francisco Cuoco, que recentemente fez o Omar em Cobras & Lagartos, também participou das duas versões de Pecado Capital, exibidas em 1975 e 1998. Na obra original o ator era o carismático taxista Carlão, vivido por Eduardo Moscovis na versão exibida 23 anos mais tarde. Em contrapartida, na versão dos anos 90s, Cuoco apareceu na pele de Salviano Lisboa, personagem vivido por Lima Duarte na primeira versão da trama de Janete Clair. É impressionante como a telenovela se aprimorou ao longo desses anos todos. Isso a gente percebe claramente ao assistir e fazer parte de um ‘remake’, avalia Cuoco.