Nureyev interpretou um gaúcho em
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

As vidas das duas maiores celebridades do mundo da dança no século 20, a americana Isadora Duncan e o russo Rudolf Nureyev, foi explorada antes por vários autores e nada garante que outras biografias não surgirão depois de Isadora (Editora Globo, 730 páginas, R$ 76), do americano Peter Kurth, e O Bailarino (A Girafa, 464 páginas, R$ 59), do irlandês Colum McCann.

No caso de Isadora, é difícil que apareça pesquisador mais criterioso que Kurth. Já a biografia romanceada de Nureyev não acrescenta muito ao que se sabe sobre o bailarino a despeito dos esforços de McCann de montar uma espécie de patchwork polifônico que, na teoria, ajudaria o leitor a desvendar o mistério do controvertido personagem.

O erro de McCann foi o mesmo de outro biógrafo, o jornalista Peter Watson, que, em Nureyev (Jorge Zahar Editor, esgotado), lançado há nove anos, deu mais atenção aos passos do bailarino pelo submundo do sexo que pelos palcos do mundo. Watson começava sua biografia pesquisando os arquivos da KGB para descobrir se Nureyev, ao pedir asilo político aos franceses em 1961, era ou não um espião recrutado pelo serviço secreto soviético.

Já McCann prefere começar pela infância. Não convence muito com a figura do menino puro que divertia soldados feridos com sua dança ingênua e apanhava dos coleguinhas do colégio. Pouco provável. O apelido do pestinha Rudi, na escola primária, era Adolf, homenagem a um homem que fez o mundo inteiro dançar nos anos 40 ao som das botas nazistas. Rudi, aliás, não escondia seu anti-semitismo.

Em Isadora, Peter Kurth não maquia a infância da bailarina, também marcada por dificuldades econômicas e pela ausência do pai, separado da mãe. Com muita propriedade, ele especula se a imagem negativa que a bailarina tinha do casamento e sua luta pela emancipação feminina – numa época em que ninguém ousava tocar no assunto – não tinham algo a ver com a dissolução do núcleo familiar. Mesmo a dança surge em sua vida como um “sonho da criação prometéica”, uma tentativa de roubar o fogo olímpico do pai (ou do Pai, com maiúscula).

A biografia de Isadora Duncan traz como bônus adicional fotos históricas da bailarina, entre elas duas raras dela dançando, a primeira para o escultor Rodin, em Vélizy, e a segunda para o fotógrafo Edward Steichen, em Atenas.

A vida de Rudolf Nureyev apresenta muitos pontos em comum com a de Isadora Duncan. Ambos tiveram uma infância pobre, desafiaram os padrões morais de sua época, pregaram a liberdade sexual, colocaram a dança num patamar jamais visto e, acima de tudo, ousaram afirmar sua individualidade e enfrentar a ira dos conformistas.

No caso da biografia de Isadora, o autor trata de desfazer alguns equívocos provocados até pela autobiografia da bailarina, “Minha Vida” (1927), que, escrita às pressas, numa época em que precisava urgentemente de dinheiro, parece construída para agradar ao grande público. Isadora se envergonhava do livro.

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