A identificação de Milton Nascimento com a cultura mineira – mais especificamente a cidade onde cresceu, Três Pontas – é tão intensa que poucos se lembram que o cantor e compositor é carioca da Tijuca. Morador do Rio desde que se consagrou como um dos criadores mais brilhantes de sua geração, Milton volta agora a Minas pela memória concentrada nas páginas de Travessia – A vida de Milton Nascimento (Editora Record, 406 páginas), biografia assinada pela jornalista três-pontana Maria Dolores.

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Um pouco por revisar sua história, Milton ficou curioso em saber se depois dele e o pianista Wagner Tiso, antigo parceiro desde os anos 60s, Três Pontas ainda tinha algo a oferecer em termos de música. Despertado por uma mapeamento musical da revista americana Billboard publicado em livro, descobriu que na cidade onde viveu a maior parte da infância e da adolescência havia uma atuante nova geração de músicos, ?todos ótimos??.

Vários deles estão no grupo Meninos de Três Pontas, que aparece cantando Paciência (de Lenine) nos extras do DVD do show Pietá recém-lançado pela Som Livre. Entre os planos de Milton para este ano está a produção de um álbum em conjunto com Meninos por seu selo, Nascimento.

Ele também compôs a trilha para o nova coreografia do americano David Parsons, com estréia prevista para julho em São Paulo. Parsons decidiu colocar os músicos no palco com os bailarinos desta vez e Milton estará entre eles.

Afilhada

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Milton também vai produzir outra afilhada mineira, a cantora Marina Machado. ?Devo isso a ela, que deixou a carreira-solo de lado por mais três anos para acompanhar a gente na turnê??, justifica. Marina é uma das muitas mulheres que marcaram sua vida, principalmente na sensibilidade para o canto. Tanto que dedicou o disco Pietá (2002) a essas mulheres que foram importantes em sua formação.

Isso vem desde a convivência com a avó materna e a mãe adotiva, Lília, e continua com Elis Regina (1945-1982), Joyce, Mercedes Sosa, entre outras cantoras. Elis foi a primeira a gravar uma música sua, Canção do sal, em 1966, e por ela Milton nutriu uma certa paixão platônica.

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Desde que a conheceu não parou de compor inspirado na voz dela. A argentina Mercedes Sosa não apenas expandiu os interesses de Milton pela cultura da América Latina, como levou sua música por todo o território. Ele é o autor brasileiro que mais ganhou registros na voz pungente de Mercedes.

?Quando era pequeno, só gostava de mulher cantando. Homem, nem morto??, brinca Milton. ?Porque com as mulheres cantando me dava um negócio no coração e quando ouvia os homens parecia que eles estavam querendo mostrar a força??, lembra. Ele então aprendeu a cantar ouvindo vozes femininas.

Quando notou que a própria voz começava a naturalmente se engrossar, quase se desesperou. Até que um dia, triste e debruçado na janela da oficina do pai, ouviu no rádio Ray Charles cantando Stella by Starlight. ?Eu me lembro que fiquei paralisado com aquilo. Quando acabou, falei: meu Deus, homem também pode ter sentimento. Então Ray Charles, pra mim, na época foi meu salvador. Aí comecei a prestar atenção na voz de outros homens e passei a gostar.??

Dona Lília Silva Campos, ao lado do marido Josino de Brito Campos (Zino), além dos imensuráveis cuidados maternais a que se dedicou, foi sua primeira inspiração no canto, a primeira voz feminina que ouviu. Ao contrário do que dizem, ela só cantava, não tocava piano. ?Quem era pianista era a mãe do Wagner Tiso, que era meu vizinho??, corrige. ?Ela tinha estudado na escola onde o Villa-Lobos regeu vários coros e ela fazia parte de um deles. E eu ia com ela pra todo lado com minha sanfona acompanhando??, recorda.