A batalha pela autorização prévia das biografias é página virada. A luta agora, segundo o advogado de Roberto Carlos, Antonio Kakay de Almeida Castro, é pela preservação da intimidade.
Algumas palavras mudam no jogo proposto por Kakay: sai ” liberdade de expressão”, entra “direito à informação”. “Estamos falando de biografias, que têm de ter informações, não de livros de ficção (nos quais vale tudo)”, diz ele. Sai a desgastada “privacidade”, entra a “intimidade”. “Elas são a mesma coisa”, diz.
Kakay gostaria de incluir ajustes ao projeto de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), que está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados. Se for aprovado (depois da Câmara segue para o Senado e para sanção presidencial), os autores de biografias não precisarão mais da autorização dos biografados para lançar livros. Os ajustes propostos por Kakay dizem respeito aos temas saúde, família e amigos dos biografados.
A reportagem destrinchou o tema intimidade (ou privacidade) com biógrafos e advogados especialistas em direitos autorais. Com o próprio Kakay, surgiram os dois primeiros tópicos de uma espécie de tratado informal sobre o assunto:
1) Vida privada: Fatos da chamada vida privada são preserváveis até o momento em que ela interferir em fatos profissionais. Se o artista usa um episódio vivido dentro de sua casa para compor uma canção, ele deixa a esfera da privacidade e se torna pública, portanto biografável.
2) Auto-exposição prévia. Se, em qualquer momento de sua vida, um artista fala a uma publicação (jornais, revistas) sobre um episódio ou uma rotina considerados íntimos (sua vida doméstica, um acidente, um trauma, uma amante), ele mesmo elimina o caráter privativo do fato e o torna passível de ser biografado, sem ônus ao biógrafo por fazê-la recorrendo aos arquivos.
Mais tarde, a reportagem elaborou outros dois itens:
3) Paralelismos biográficos: histórias vividas por mais de um personagem não têm caráter de exclusividade. Se ela ocorre quando o personagem principal encontra-se em grupo, se é testemunhada em espaços públicos e com a participação direta de outros agentes, entende-se que não pertence a um, mas a todos os envolvidos na cena.
4) Terceiros: muitos são os casos de personagens secundários ou terciários citados em biografias. Se eles vivem um momento fundamental na obra do artista, devem ser procurados pelos biógrafos para expor suas histórias. Se não se pronunciarem, podem ter seus nomes e seus episódios citados por outras pessoas que também estiveram na cena, ou por documentos que comprovem fatos.
O biógrafo Ruy Castro, depois de ler os pontos, considerou: “Acho todos os argumentos irrefutáveis. Eu próprio, nos cursos de biografia que dou, sempre enfatizo alguns: 1) Se uma história, delicada ou não, é indispensável para elucidar a trajetória pessoal ou profissional do biografado, ela deve ser usada. Se não, não. 2) A interferência de outras pessoas na vida do biografado só deve ser usada se auxiliar na compreensão do biografado. 3) Uma biografia não trata de uma só pessoa, mas de um grupo, de um lugar e de uma época”.
O jornalista e biógrafo de Raul Seixas, Edmundo Leite, não concorda com o detalhamento da intimidade. “Tentar regulamentar esses limites legalmente ou num código de conduta é uma coisa errada, perigosíssima, danosa em qualquer sentido. Estão querendo criminalizar algo que não é crime. Piorará ainda mais a situação.” Ele cita um caso prático: “Você não está cometendo um crime, que é o que uma regulamentação provocaria, se falasse de um determinado namorado da Elis Regina na adolescência, antes da carreira, mesmo que teoricamente isso não tenha nada a ver com sua obra. Imagine se esse namoradinho seguiu a vida dele e se tornou uma grande personalidade. E ambos não gostassem de mencionar isso. É uma mera curiosidade na vida de ambos. Uma boa biografia perderia sem isso”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.