Como convidar uma atriz para fazer um personagem que existiu de fato, e era caracterizada pela feiura, sem pôr em xeque a própria aparência, e ferir sua vaidade feminina? Betty Gofman não se sentiu ofendida quando o produtor Eduardo Barata a chamou para viver a comediante Zezé Macedo (1916-1999) em “A Vingança do Espelho”, sob a direção de Amir Haddad.
“Na hora em que desliguei o telefone, pensei: caramba, vou fazer uma mulher que não era considerada nada bonita!”, conta Betty. “Mas eu olho no espelho e gosto muito de me ver. E se você olhar a Zezé antes de ela fazer aquela loucura no rosto (as cirurgias plásticas, de dois em dois anos), vai ver que era uma mulher interessante. Não era um ícone da feiura.”
“A Vingança do Espelho” estreou quinta-feira na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, com sucesso – o preço ajuda: R$ 10, a meia a R$ 5 (“é mais barato do que estacionar o carro”, brinca o produtor). É uma peça sobre a montagem de uma peça em homenagem a Zezé, encenada por uma companhia teatral.
Amir Haddad desde o início dos ensaios deixou claro que não queria que Betty imitasse Zezé, fosse nas caretas, na voz ou nos gestos. “Teatro é a arte do ‘vamos combinar'”, explica o personagem de Mouhamed Harfouch, o diretor-personagem. “Teatro não é mimesis (mimetização), é poiesis (poesia)”, acrescenta Haddad. “Só poderia ser a Betty. Ela não é atriz de carinha bonitinha, tem personalidade forte, não é uma fisionomia comum. O bom ator é aquele que não mimetiza. Ela não usa nem maquiagem e fica igualzinha. É tudo ilusão de ótica.”
A ausência de vaidade na escolha de um papel deveria nortear todo ator, mas Haddad sabe que não é bem assim. A “dificuldade de se fazer arte num mundo que vive de imagem” está na peça na figura de Estela, a atriz vivida por Betty, que se opõe a Katia, personagem de Marta Paret, a loira bonita e rasa que só faz novela.
A trupe, que tem também Tadeu Mello e Antonio Fragoso, resolve homenagear uma Zezé reconhecida pela maioria dos brasileiros só pelo rosto esticado e o bordão “Só pensa naquilo”, da Dona Bela da Escolinha do Professor Raimundo.
O espetáculo parte dessa imagem mais difundida, com direito à vinheta do programa de Chico Anysio na Globo. Passeia por toda sua biografia, da infância, em Silva Jardim, interior do Rio, às chanchadas. Era a coadjuvante preferida de Oscarito, chamada de “Carlitos de saias” por Grande Otelo. Fez 108 filmes e publicou quatro livros de poesia (começou declamando no rádio).
Com estreia paulistana dia 8 de março, no Teatro Vivo, “A Vingança do Espelho” continua uma série tributo a estrelas do passado, iniciada com “A Garota do Biquíni Vermelho”, sobre Sônia Mamede. A ideia é continuar com Consuelo Leandro, Ivon Curi, Zé Trindade e outros nomes da Atlântida e do teatro de revista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.