No show “Amor Festa Devoção”, que sai agora em CD duplo e DVD, pela Biscoito Fino, Maria Bethânia diz no texto que introduz um bloco de modas de viola: “Gosto de cantar o Brasil caboclo como se fosse uma prece, para que ele resista apesar da mão do progresso vazio que insiste em dizimá-lo”. Coincidentemente, parte da resistência desse Brasil está na obra de Paulo César Pinheiro.
Não é por acaso que a cantora e o compositor mais produtivos da música brasileira convergem em mais uma significativa colaboração. Bethânia, apelidada de “abelha rainha”, está lançando por seu selo Quitanda o álbum “Capoeira de Besouro”, com 14 canções compostas por Pinheiro para a peça “Besouro Cordão-de-Ouro”, sua estreia no teatro. Nomes associados a dois insetos polinizadores, eles vão criando mais vínculos e trabalhando para preservar as espécies nativas.
Besouro Mangangá é o apelido de um mito baiano, lendário capoeirista, cantor e compositor (entre outras atividades), nascido em Santo Amaro da Purificação, berço de Bethânia, Caetano Veloso e de sua mãe, Dona Canô, a quem ela dedica esse trabalho, parte do qual vem de “Encanteria”, o CD de 2009, que tem a canção-título assinada por Pinheiro. Está tudo interligado.
DVD
A discografia de Maria Bethânia é bem servida de discos ao vivo. Agora, com procura maior pelo DVD e menor pelo CD, embora a íntegra do show “Amor Festa Devoção” esteja registrada em CD duplo, a ênfase da produção é pelo DVD. Não só pela sempre expressiva atuação da cantora, como pelo deslumbre da cenografia de Bia Lessa para o show e pelos extras, representando os três temas: amor, festa e devoção.
Bethânia inseriu um registro de sua viagem a Aparecida do Norte em 2004, acompanhando sua mãe devota, e cantando temas religiosos, além de “Romaria” (Renato Teixeira), para a multidão que comparece à celebração da padroeira do Brasil. Há também “Eu Velejava em Você” (Eduardo Dussek/Luiz Carlos Góes) e “Sete Trovas” (Consuelo de Paula/Etel Frota/Rubens Nogueira), gravadas no palco sem plateia.
O bem amarrado roteiro dela e Fauzi Arap mescla canções dos dois álbuns mais recentes e simultâneos (“Encanteria” e “Tua”), enfatizando Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro, com clássicos de Chico Buarque, Caetano Veloso, Lamartine Babo, Vinicius de Moraes. Momentos de grande intensidade são o texto Olho de Lince, de Waly Salomão, Linha de Caboclo (P. C. Pinheiro/Pedro Amorim) e a Balada de Gisberta, do português Pedro Abrunhosa. A segunda parte é repleta de serenidade e delicada poesia.