Berliner Ensemble traz Shakespeare a Belo Horizonte

As celebrações pelos 450 anos de Shakespeare continuam a reverberar na agenda dos festivais brasileiros. No FIT – Festival Internacional de Teatro de Palco e Rua de Belo Horizonte, a tônica se manteve. A encenação de Hamlet, pela histórica cia. Berliner Ensemble, sinalizou o ponto máximo da programação.

Fundado por Bertolt Brecht, o grupo alemão trouxe ao País uma versão que destoa das abordagens mais clássicas e redimensiona o texto do bardo em imagens e sentidos. Em um cenário que se move constantemente, os ambientes do castelo de Elsinor são mais sugeridos do que ilustrados. Módulos brancos e geométricos, que se encaixam para formar as diferentes paisagens, reforçam ainda a sensação de que os dilemas existenciais do príncipe da Dinamarca estão livres dos condicionantes de tempo e lugar.

A contrastar com a assepsia do ambiente, a encenação do diretor Leander Hausmann opta por trazer um Hamlet ainda mais sangrento do que o original em seu percurso por vingança. O nobre será também um assassino feroz, capaz de arrancar as vísceras de Polônio – o tolo pai de Ofélia, e de depositar seu coração, ainda fresco, nas mãos da mãe, tal qual um troféu. O palco, inicialmente imaculado e de contornos abstratos, se verá tomado de destroços, terra e corpos.

É comum que as montagens optem por leituras mais abertas das situações criadas por Shakespeare. Hamlet está louco ou apenas finge a loucura? Seu pai veio de fato falar-lhe ou é uma alucinação?

Na produção da Berliner Ensemble algumas dessas perguntas parecem ser eliminadas em favor de uma interpretação mais contundente do texto. O pai assassinado não lhe aparece como visão nas brumas, mas lhe surge em sonho. As ações do protagonista são destemperadas ao extremo, sem as nuances de costume. E, à sua volta, todas as figuras surgem apenas como contornos de personalidades e não como personagens independentes. Tudo soa como projeção dessa mente em estado de sofrimento extremo.

A relação com Ofélia também surge muito mais erotizada do que se costuma presenciar. O afeto distanciado é substituído por cenas em que ela se joga com fúria em seus braços e rola ao seu lado embaixo dos lençóis. Mais um indicativo – pode-se supor – de que assistimos não propriamente a uma história, mas a um olhar muito particular e comprometido dessa trama.

Deslocada para o prólogo do espetáculo – e depois repetida ao longo da peça -, a cena do famoso monólogo do ‘ser ou não ser’ sublinha a centralidade da angústia de Hamlet. A perda paterna acionou um gatilho. Mas a dor desse homem já estava lá. Sempre esteve. Um sentimento sem origem nem fim. A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇÃO DO FESTIVAL. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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