O cinema brasileiro na década de noventa concorreu ao Oscar na categoria de filme estrangeiro, com o trabalho assinado por Walter Salles, Central do Brasil, levantando muitas expectativas quanto a vitória. Patriotismo ausente, verificamos que Central do Brasil não superou a fotografia hipnotizadora de Tango de Carlos Saura, o enredo de Filhos do Paraíso de Majid Mujici sucumbindo ao drama apresentado por A vida é bela de Roberto Benigni, que levou a cobiçada estatueta. Apesar da torcida não era ainda a nossa vez. No ano de Cidade de Deus quem ganhou o prêmio foi o cinema brasileiro, não com as estatuetas: Montagem, Fotografia, Roteiro Adaptado e Diretor, mas sim com a nossa maioridade cinematográfica. Cidade de Deus de Fernando Meirelles apresenta um cinema original e contestador. Estilístico e belo, sem cópias ou tentativas de se encaixar em qualquer movimento estilístico, mas, não deixando de apresentar elementos do Realismo Soviético, do Expressionismo Alemão, do Neo-realismo Italiano e da Nouvelle Vougue Francesa, tratando a obra com o que de melhor o cinema no mundo já produziu, um verdadeiro merecedor de elogios tanto de público quanto de crítica. O Oscar não é o único prêmio a chancelar uma obra cinematográfica, na verdade nenhum filme precisa ser chancelado por prêmios, sua chancela se dá quando é assistido, e muito mais quando é apreciado, relativizando a importância dos prêmios. Mas, é pela mídia que a obra cinematográfica transcende o espaço geográfico e temporal para qual foi realizada. É pelo mercado que ele se frutifica e perdura, ganha o espaço, voa com as asas que não foram dadas a ele, voa com as asas que ele próprio conquista.
Neste ano, o filme Dois filhos de Francisco de Breno Silveira é indicado para representar o Brasil, na categoria de filme estrangeiro. Necessita ainda ser aprovado na segunda prova neste concurso, a indicação entre os cinco a concorrer ao prêmio. O filme que retrata o percurso dos sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, uma dupla campeã de venda de discos ( iniciaram sua carreira no LP – long play – e hoje desovam CD – compact disc), tendo como principal eixo condutor o papel desempenhado pelo pai, Francisco, o grande protagonista da narrativa. Neste aspecto o roteiro de Patrícia Andrade e Carolina Kotscho, rompe a segmentação sertaneja, vacinando a película contra o preconceito autofágico que ela receberia se fosse a estória de Zezé Di Camargo e Luciano. A opção pela estória de Francisco, ainda extrai do filme a simplicidade quase divina da vitória dos grandes astros, que geralmente é apresentada nas biografias cinematográficas, tornando estas incríveis (sem credibilidade). ?Ray? de Taylor Hackford, é o ultimo grande exemplo. A espetacular estória de superação e tragédia humana, não consegue ser satisfatoriamente sintetizada em duas horas e meia de filme. A estória de Francisco consegue! O trajeto de Zezé Di Camargo, principalmente, é coadjuvante a trajetória do sonho paterno, o grande drama da narrativa. Da primeira cena em cima da casa, ajeitando a antena do rádio que trazia a música, as últimas seqüências quando ele manipula o mesmo rádio, solicitando a música dos filhos, para a cena final quando todos saem da mesa para escutar a melodia que era apresentada no programa radiofônico, menos o personagem principal. Surpresa do sucesso? Como, se ele é o construtor deste sucesso! Desde a antena do rádio, passando pelos ovos crus até as fichas de telefone público, compradas com toda sua riqueza, da mesma forma que os primeiros instrumentos musicais, esta é a história de Francisco.
Sua ética cinematográfica apresenta universalidade, a mesma universalidade temática do filme tcheco Kolia de Jan Sverák, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1996. Os Franciscos se espalham pelo mundo. Europeus, árabes, africanos e norte americanos, o sonho obstinado de tantas pessoas que acreditam num ideal e mesmo ganhando os adjetivos de ?maluco, doido, etc?, perseguem seu destino, independente de quanto tempo isto demore. Mesmo no momento que a narrativa não mais apresenta o personagem principal, a viagem dos meninos com Miranda, não nos abandonamos de Francisco.
Marcio Veiga Costa é professor de Cinema.