‘Bem-vindo a Nova York’ vai ao Festival de Paulínia

Quando Bem-vindo a Nova York foi exibido em sessão paralela durante o Festival de Cannes, em maio, houve quem dissesse que era um filme quente demais para a Croisette.

Isso porque o longa de Abel Ferrara não só não entrou na seleção oficial do evento como causou furor ao trazer cenas fortes, ou hiper-realistas, de sexo já em seus primeiros 15 minutos e rendeu, entre outras polêmicas, uma ameaça de processo por difamação por parte de seu principal ‘inspirador’, o ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Kahn. DSK, como é chamado, foi acusado em maio de 2011 de ter agredido sexualmente uma camareira de um hotel em Nova York. Quatro dias depois, o ex-diretor pediu demissão, viu sua possível candidatura à presidência da França ir por água abaixo e, pouco tempo depois, ouviu de sua mulher, a jornalista Anne Sinclair, o pedido de divórcio.

Nesta quarta-feira, 23, é a vez de Ferrara descobrir qual será a reação do público paulistano, que recebe o diretor e a atriz Jacqueline Bisset (que vive Anne Sinclair, ex-mulher de DSK no longa) para a sessão especial de Bem-vindo a Nova York, no Reserva Cultural, que abre a mostra comemorativa dos 25 anos da distribuidora Imovision, homenageada no Festival de Paulínia.

O longa ainda encerra o festival na cidade do interior paulista no domingo, 27, em sessão aberta ao público. Já para a plateia paulistana, o filme tem sessão também no domingo no Reserva Cultural, às 21h30. “Estou feliz de voltar ao Brasil. Foi muito bom da primeira vez (em 2012, para participar de mostra dedicada a sua filmografia). Espero que o brasileiro goste do filme”, declarou Ferrara em conversa com o jornal O Estado de S.Paulo, na tarde dessa terça-feira, 22, quando o diretor americano estava a caminho de Paulínia, onde seria um dos convidados especiais da noite de abertura do festival.

Ainda que defenda que Bem-vindo se trata de obra ficcional, é exatamente sobre o processo de descida ao inferno de um dos homens mais poderosos do mundo, e ainda incapaz de controlar a si mesmo, que Ferrara lança olhar quase documental.

O nome do protagonista foi trocado, por motivos óbvios, para Georges Devereaux (um impecável Gérard Depardieu). No entanto, é mais do que claro que é do ex-diretor do FMI que se está falando. “Há dois assuntos. Um é o caso real de DSK. O outro é o filme que fiz. Não filmamos um documentário. Podemos falar de um filme, de política, de tudo. Mas quando se liga uma câmera, nasce um mundo completamente diferente, que tem a própria dinâmica”, disse.

Se o público brasileiro vai gostar do filme, que estreia comercialmente em novembro, é questão em aberto. Já a plateia internacional vem se dividindo entre os que sentem repulsa diante de um retrato ‘inimitavelmente cruel, mas ainda assim contemplativo do caso de Strauss-Kahn”, como escreveu o crítico Scott Foundas da Variety, e os que se indignaram e definiram o filme como difamatório, degradante e até mesmo antissemita, como afirmou Anne Sinclair, em artigo do The Huffington Post francês, do qual é editora.

“Até agora, DSK não me processou. Mas tem toda a liberdade. Ele faz o que quiser. Eu faço o que quiser”, afirmou Ferrara. “Todos dizem que me inspirei nele. Como me inspirar em alguém como ele? Que tenta estuprar uma camareira? O que me inspirou foi minha consciência, meu subconsciente. Cresci em Nova York. Basta observar a vida.”

Há uma certa frieza na forma como Ferrara observa o sexo entre Devereaux e as garotas de programa. É com a mesma precisão cirúrgica que o cineasta mostra a cena do suposto assédio sexual contra a camareira. “Se filmei o sexo como se fosse quase um documentário? Talvez. Acho que esta é a única forma de filmá-lo. Tem que parecer real. É preciso que os atores façam acontecer. E tanto Depardieu quanto as atrizes foram incríveis”, comenta o diretor.

É bem por conta das cores realistas impressas em Bem-vindo que muitos viram no filme o melhor de Ferrara desde Vício Frenético (1992). O diretor sempre foi fascinado pela relação entre sexo e poder. “Política, sexo e poder. Combinação explosiva. É sobre isso que muita coisa gira no mundo. Só que do outro lado do poder pode estar a justiça”, analisa Ferrara, que, como prólogo, inseriu uma entrevista de Depardieu afirmando que odeia políticos e é anarquista.

“A partir daí, você decide se quer ver o filme ou não. Há a ideia de que políticos e celebridades podem tudo. Mas todos somos iguais perante Deus. E perante o carma. Você pode esconder do mundo, do juiz, da sua mulher, mas não de Deus”, completa o cineasta, que estreia Pasolini, sobre o última dia de vida de Pier Paolo Pasolini, no próximo Festival de Veneza, em setembro. “Ele morreu há 40 anos em uma situação ainda misteriosa. Há muitos crimes pelos quais a polícia não se interessa. Mas que me interessam.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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