A coreógrafa Deborah Colker é um belo exemplo do artista insatisfeito – no ano passado, quando finalizava seu mais recente trabalho, Belle, ela sabia que, mesmo com um resultado plenamente satisfatório (Belle se revelou um de seus mais perfeitos trabalhos, uma investigação do desejo a partir da dramaturgia dos sentimentos), o espetáculo ainda poderia ganhar novos contornos. É o que o espectador poderá conferir a partir de sexta-feira, 22, quando Belle cumpre uma pequena temporada (até domingo, 24) no Teatro Sérgio Cardoso – antes, nesta terça-feira, 19, e quarta, 20, acontecerá a reapresentação de Mix.

continua após a publicidade

“Quando desenvolvia a dramaturgia com o João Elias, pensei em deixar o espetáculo apenas com um ato e não dois, como acabou ficando”, conta Deborah. “Claro que era importante fazer a transição da casa para o bordel, mas eu sentia que o público talvez não precisasse esperar que isso acontecesse apenas depois do intervalo.”

Para deixar a conversa mais compreensível, é necessário lembrar que Belle é inspirado em A Bela da Tarde, livro que o escritor franco-argentino Joseph Kessel lançou em 1928 e que o espanhol Luis Buñuel adaptou de forma clássica para o cinema, em 1967. A trama acompanha o drama de Sévérine, mulher de um profissional bem-sucedido que não consegue se realizar sexualmente no casamento. Decide visitar um bordel. Assim nasce Belle, codinome da personagem.

Mais fascinada pelo filme que pelo livro, Deborah criou um espetáculo visceral, em que o embate entre razão e desejo, carne e espírito, real e imaginário, assombra os pensamentos de Sévérine. “Meu grande desafio foi transformar em movimentos esse embate íntimo, o que resultou em uma leitura mais poética que narrativa da trama.”

continua após a publicidade

De fato, basta um detalhe fundamental para se constatar isso: enquanto, no filme e no romance, Belle e Sévérine são a mesma pessoa, Deborah decidiu desdobrar o papel, assumido por duas bailarinas, que representam esse duplo – enquanto uma é fria e sistemática, a outra é intensa, movida por um desejo incontrolável.

Na versão mais condensada que chega agora a São Paulo, a transição de Sévérine para Belle é quase imediata e logo revela o mundo irreal de Sévérine. “Para mim, não importa saber se o bordel para onde ela vai é verdadeiro ou não, mas que se trata de um delírio de Sévérine, um desejo muito forte.”

continua após a publicidade

Em Belle, Deborah revive um dos ícones do balé clássico: as sapatilhas de ponta, que as bailarinas usam no início do espetáculo. “É um recurso do qual eu me aproprio com muito prazer. Quando Isadora Duncan tirou as sapatilhas no início do século 20, foi uma grande ruptura. Mas a roda continua girando. Pina Bausch voltou às pontas e ao balé narrativo. A atitude contemporânea, para mim, está na saudável desobediência a fórmulas prontas”, acredita

Como sempre, a coreógrafa trata a dança como uma prática intransitiva, que domina o princípio do prazer. Deborah sempre manteve a disciplina como o definidor de sua personalidade e, por extensão, de seu trabalho. Com isso, ela consegue a rara transformação do esforço em beleza, ou seja, ensaios incansáveis para que, no palco, a coreografia se pareça com um improviso. Isso se torna evidente em Belle e também em Mix, espetáculo nascido a partir da união de outros dois, Vulcão e Velox.

E também vai nortear seus próximos trabalhos, como a adaptação das rimas secas e precisas de João Cabral de Melo Neto no poema Cão Sem Plumas. Deborah também vai criar um espetáculo para comemorar os 15 anos de carreira de Thiago Soares, primeiro bailarino do inglês Royal Ballet. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.