Estou viva, não uso mais drogas, livro de Bell Marcondes, foi lançado recentemente na Bienal do Livro de São Paulo. A autora mantém uma rotina diária de palestras em escolas e faculdades.

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Bell Marcondes foi produtora artística dos mais importantes nomes da música popular brasileira (Simone, Zé Ramalho, Maria Medalha, Fafá de Belém e Roberto Carlos), porém nos anos 90s assistiu a seu declínio pessoal e profissional ao apaixonar-se e entregar-se de corpo e alma às drogas e ao álcool. Por causa da dependência química Bell chegou ao absoluto da degradação humana e viveu nas ruas de São Paulo por quatro anos e meio. Não é de hoje que sabemos de histórias de vidas marcadas pelo uso comprometedor de álcool e drogas, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, mas à diferença de tantos outros relatos Bell Marcondes vem superando todas as expectativas: apenas 5% das pessoas em estado avançado de dependência química conseguem se recuperar. O que também não se fala é que o processo de recuperação e ressocialização são trabalho diário do dependente químico. Sendo assim, manter-se viva, superando preconceitos e toda sorte de dificuldades, tem sido seu grande desafio. Mas Bell Marcondes foi além, apoiada pelos amigos e sua intensa vontade de viver, escreveu o livro Estou viva, não uso mais drogas – O inferno de Bell (Geração Editorial, 2006) e desde então, ao realizar um pacto com a vida, mantém firme o que se impôs como missão: conscientizar e prevenir a dependência química em jovens e adultos.

A orelha do livro foi escrita pelo jornalista Sérgio Dávila (Folha SP).

?A pior violência é a que você comete contra você mesmo. É a mais fácil de ser maquiada, por ser a mais tolerável socialmente. Nós estamos organizados de maneira a evitar e, uma vez detectada, resolver, punir, remediar a violência cometida entre pares ou contra terceiros. A auto-violência, chamemos assim, passa impune.

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É mais ou menos como diziam os músicos Cazuza e Lobão: ?Eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo?. E ninguém faz nada. Nem deveria. O que cada um comete contra si mesmo é problema de cada um – desde que os outros não sejam diretamente afetados, ou, escreveu Luis Fernando Veríssimo num conto engraçadíssimo, ?desde que não assuste os cavalos na rua?.

Foi essa regra de ouro não-escrita que permitiu que Bell Marcondes se destruísse pouco a pouco, tantos anos, ?abaixo do radar? da sociedade. Ela esteve à beira da morte, mas era a morte dela, então só ela viu. No auge da dependência química, ganhou a invisibilidade que ganham os que moram nas ruas. Das calçadas em que parou, via as pessoas passarem – e as pessoas não a viam.

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Bell Marcondes, ou Bebel, como era conhecida no meio artístico, foi produtora de renome nos anos 80s. Convivia com artistas do porte de Milton Nascimento, Gilberto Gil e Simone. Era apaixonada pela música. Mas caiu de amores pela cocaína. Para sustentar o vício, chegou a viver de esmolas e favores. Para suportar o vício, mergulhou fundo no alcoolismo.

Eu a conheci na casa de uma tia minha. A casa dessa minha tia, que eu mantenho anônima aqui nessa orelha, mas você vai conhecer ao ler o livro, pois Bell conta a história, é o coração de mãe de São Paulo. Por lá passaram, passam e passarão nomes os mais diversos, de todas as áreas, famosos e anônimos. Como toda boa mãe, ela não julga, apenas acolhe. Se preciso, ajuda.

Quando Bell viu que não dava mais para viver ali sem começar a prejudicar as pessoas que aprendeu a amar, sumiu. Caiu na vida, com se diz – caiu na rua, na calçada, na sarjeta. Parecia não ter volta. Era tratada pelos amigos e pelas pessoas que a conheceram no passado, em frases como ?Lembra da Bell??.

Mas, como o protagonista de um filme que estreou quase ao mesmo tempo em que este livro é lançado (Marcas da violência, de David Cronenberg), Bell Marcondes ganhou uma segunda chance da vida. E ela não está disposta a desperdiçá-la – nem a chance, nem a vida – como você verá neste livro-depoimento-autobiografia.

Não é auto-ajuda – bem, é auto-ajuda, literalmente, uma vez que escrevê-lo ajudou a própria Bell, funcionou como uma terapia – não é manual, não é exemplo para ninguém. É só uma história que merecia ser contada e tem final feliz. Final, não, meio, porque o final de Bell Marcondes está longe de chegar.?