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Bastidores da loucura

Retrato impiedoso da hipocrisia que marca um mundo restrito para poucos felizardos, mas no qual poucos conseguem permanecer por muito tempo – eis a essência de Sunset Boulevard (Crepúsculo dos Deuses, no Brasil), filme dirigido por Billy Wilder em 1950 e que inspirou um dos mais complexos musicais dos últimos tempos e cuja versão brasileira estreia dia 22 de março, no Teatro Santander. É a partir da trama que rodeia Norma Desmond, ex-estrela de filmes mudos e agora esquecida, que Wilder traçou uma das mais ferinas incursões pelos bastidores de Hollywood.

A história envolve um misterioso triângulo amoroso. Roteirista fracassado e devedor para vários cobradores, Joe Gillis, em uma de suas fugas, esconde-se no que parece ser uma mansão desocupada, na Sunset Boulevard, uma das mais famosas ruas de Los Angeles. Na entrada, porém, o rapaz é recebido por Max von Mayerling, mordomo calado mas observador, que o conduz ao interior da casa, onde ele conhece Norma. Ela pretende marcar sua volta ao cinema com um roteiro que está escrevendo e, fascinada por Joe, o convida para ajudá-la. Mesmo percebendo que a história é ruim, ele aceita o negócio para usufruir dos luxos que Norma lhe oferece. É o início de um sinistro jogo amoroso, com a atriz se apaixonando pelo jovem e com o apoio de seu mordomo, que foi seu diretor no cinema mudo e hoje é seu apaixonado platônico.

“O ostracismo ajudou Norma a enlouquecer e essa loucura também é alimentada por Max, que cria um falso ambiente de glamour, ao escrever cartas, que seriam de fãs, para ela”, comenta Marisa Orth, que viverá Norma no palco. O desafio marca seu retorno ao drama, depois de se consagrar como comediante na TV. Atributos, ela tem de sobra, pois protagonizou peças clássicas como Três Mulheres Altas, em 1995, com texto de Edward Albee e dividindo o palco com Nathalia Timberg e Beatriz Segall. E, formada em psicologia, Marisa vê com mais encantamento a natureza psíquica de Norma Desmond.

“Ela exibe um tipo de loucura refinada, típica de pessoas inteligentes, com alto QI”, analisa a atriz, que já constrói um gestual especial para sua interpretação. Isso porque Norma parece estar sempre atuando ao fazer poses e expressões por vezes exageradas. “A peça trata de temas delicados como velhice, loucura, solidão, fracasso e isso até me fez olhar para o que já fiz até hoje na carreira. Não me sinto no fim da linha, mas serviu como um estímulo para essa avaliação. E, nesse tema, gosto de uma frase de Norma: ‘Se eu me vejo jovem, não envelheci'”.

Falas marcantes, aliás, é o que não faltam em Sunset Boulevard, o musical que estreou em 1993, em Londres, e cujo libreto e letras de Don Black e Christopher Hampton se apoiam no brilhante roteiro escrito para o cinema por Billy Wilder, Charles Brackett e D.M. Marshman Jr. – “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”, diz Norma, em determinada cena, frase que se tornou antológica. Se o texto ajuda, o desafio está na sofisticada melodia criada por Andrew Lloyd Webber. “As notas são belíssimas, mas são quebradas, variando do grave ao agudo em uma mesma frase”, constata Marisa, que se aplica a constantes exercícios vocais – ela chegou a ter auxílio da inglesa Fiona Grace McDougal, que também orientou Glenn Close para o mesmo papel na Broadway. “E, como praticamente não saio de cena, a exigência parece infinita.”

O mesmo acontece com seus parceiros masculinos. Um dos mais completos atores do musical brasileiro, Daniel Boaventura utiliza sua potente voz de barítono para viver o soturno mordomo Max. “Ele me atraiu porque sempre tive uma queda por papéis de homens mais velhos”, conta. “E Max se revela aos poucos, com nuances que o transformam em um grande personagem, além de suas canções, que pedem uma razoável extensão vocal – gosto da tonalidade mais lírica, escura, precisa.” Boaventura não vai raspar a cabeça, como tem sido o ritual das diversas montagens do musical, mas usará um aplique que simula perfeitamente uma careca.

Nesse ambiente insano, nem mesmo o roteirista Joe Gillis escapa. “Acredito que sua loucura é de um grau menor, mas Joe acaba em uma prisão particular”, comenta seu intérprete, Julio Assad, ator que cultiva a palavra como poucos. “É um homem que gosta de vestir a máscara da hipocrisia e muitas vezes nem se leva a sério. Mas seu fim trágico acaba sendo libertador.”

A condução dessa trama conturbada está nas mãos seguras de Fred Hanson, responsável pela direção artística da montagem brasileira. Fã incondicional de Gloria Swanson, atriz que viveu Norma no cinema, ele optou por um cenário nada suntuoso, mas que traz a ambientação dos anos 1950. “A peça fala da memória da personagem, por isso não temos uma cenografia realista”, diz ele, que decidiu também manter a banda de 16 músicos no palco. “É certo porque as canções contam a história”, observa o diretor musical Carlos Bauzys. “E o expressionismo do cinema inspira também os gestos e as danças”, completa a coreógrafa e diretora de movimentos Kátia Barros. “Teremos ainda um palco giratório e cenas projetadas para reforçar o dinamismo”, conta a produtora Stephanie Mayorkis, da EGG Entretenimento, realizadora ao lado da IMM Esporte e Entretenimento.

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