A manhã do sábado, dia 13 de julho, foi especial para a atriz e produtora Bárbara Paz – ao checar os e-mails, descobriu um enviado pelos organizadores do Festival de Cinema anunciando que seu documentário Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou estava selecionado para a mostra Venice Classics, que reúne filmes sobre cinema ou autores da área. “Foi uma felicidade abafada, pois eu não podia revelar até que o anúncio oficial fosse feito”, conta ela ao jornal O Estado de S. Paulo. A lista foi divulgada nesta quinta, 25, e conta com outras produções envolvendo brasileiros.

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Outros dois fatos tornaram aquele sábado ainda mais significativo: Bárbara estava em Paraty, onde lançou, à noite, Mr. Babenco (Nós), livro que reúne, em forma de diálogos, uma série de conversas francas, emotivas e reveladoras com Hector Babenco (1946-2016), um dos maiores cineastas brasileiros e que foi seu companheiro na vida e na arte. Finalmente, aquele sábado marcava o terceiro aniversário da morte do diretor.

“Ah, tem mais”, lembra ela. “Foi em Paraty que conheci Hector, há 12 anos.” Filme e livro se desenvolveram simultaneamente, com a escrita abraçando o material que ficou de fora do documentário. Mas ambos traçam um paralelo entre a arte e a doença de Babenco que, durante anos, lutou contra um câncer. Com a iminência da perda, Bárbara assumiu o projeto de resgatar as lembranças e sensações do cineasta que deixou clássicos como Pixote e O Beijo da Mulher Aranha, entre outros.

Não foi uma tarefa fácil – genial e genioso, Babenco era um artista que cultivava a desconfiança e logo percebeu que, se havia alguém capaz de revelar devidamente sua intimidade, seria Bárbara. Se alguém fosse revelar esse outro Hector, teria de ser ela.

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“Hector queria ser visto como um homem que contava histórias”, lembra Bárbara que, à medida que editava o documentário, notou a importância do vasto material cortado. Importante também foi o resgate de cadernos de juventude, em que Babenco deixou escritas poesias, trabalho que o acompanhou ao longo da vida. E, embora por vezes desdenhasse (“Isso é meio García Lorca, meio babaca”, afirma, em determinado momento), ele sabia da qualidade de seus versos.

“No geral, colecionei conversas, poesia, memórias e muitas histórias”, relembra Bárbara. “Eram encontros informais, em que tratamos de assuntos caros a ele, como os difíceis momentos que viveu na Argentina por ser judeu.” Babenco até descreve como desejava que fosse seu velório – em um rasgo de humor, pede a Bárbara que divulgue a falsa notícia de sua morte só para poder ler os obituários.

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Impressiona, porém, a avaliação que faz da própria obra. Pixote, por exemplo, filme de 1980, nasceu de sua indignação com a situação dos meninos abandonados. “Eu tinha ido com um amigo fazer umas fotos numa unidade da Febem do Tatuapé. Dei meu telefone para vários dos meninos e não deu outra: um par de dias depois, houve uma fuga em massa e o telefone começou a tocar, e eu me encontrei com os meninos, eram 10 ou 12, fomos comer hambúrguer. Aí eles começaram a contar histórias. Decidi começar a construir histórias. Li o livro do (José) Louzeiro, Infância dos Mortos, e comprei os direitos. Assim nasceu Pixote”, conta.

Entre outras revelações – Burt Lancaster, por exemplo, viveria o homossexual Molina, de O Beijo da Mulher Aranha, se não sofresse um ataque cardíaco -, o livro reproduz o último diálogo gravado por Bárbara. No quarto de hospital, o cineasta prepara-se para jantar. Trava uma conversa delirante, mas pontuada por frases marcantes. “É como se a parede de tijolos que estava sendo construída não tivesse mais espaço para cima. Acabou, como se nada mais tivesse acontecendo que justificasse estar vivo”, diz, para arrematar: “É tudo Fellini!”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.