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Banda Pixies busca redenção ao resgatar o melhor dos anos 1990

Paz Lenchantin, baixista oficializada como integrante do Pixies depois de um ano como interina, não sabia onde se esconder. Era vergonhoso demais. Foi para casa no dia anterior com a missão de criar as linhas de baixo para a última música a ser gravada para o novo disco da icônica banda liderada por Black Francis. “Joey (Santiago, guitarrista da banda) mixou aquela demo de forma que mal conseguia ouvir a linha guia do meu instrumento”, conta a argentina de 41 anos, há 35 moradora do sul do estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Ali, diante de Francis (voz e guitarra-base), David Lovering (bateria), Santiago e do produtor Tom Dalgety, mostrou aquilo que ela supôs ser uma lição de casa bem-feita para Head Carrier, o sexto álbum de estúdio do grupo a ser lançado no Brasil e no exterior no próximo dia 30 de setembro. Supôs errado. “Eu estava envergonhada, mas, ao mesmo tempo, orgulhosa do que eu havia criado”, conta ela. “E, então, Francis me chamou: ‘deixe-me ver o que você tem aí’.”

Paz tinha em mãos a melodia que viria a se tornar All I Think About Now. O resultado da parceria da baixista com o líder do Pixies é uma canção criada para ser uma carta de agradecimento a Kim Deal, integrante original a ser responsável pelo instrumento de quatro cordas ao longo da primeira fase de existência da banda, de 1986 a 1993, e durante os anos de retorno de 2004 a 2013. Kim, também dona da ótima banda The Breeders, deixou o grupo às vésperas da gravação do álbum anterior do Pixies, Indie Cindy, o trabalho que interromperia um hiato de 23 anos longe do estúdio.

A decisão pela saída causou um mal-estar entre ela e os antigos companheiros de banda. Indy Cindy, por sua vez, foi um disco que vacilou por não saber o que queria – ressuscitar o antigo Pixies, mostrar o novo, sentir falta ou ódio por Kim, tudo emaranhado em 12 faixas inconstantes. “Senti que a Kim (Deal) não estava feliz quando decidiu sair”, conta Santiago, também em entrevista ao Estado, por telefone. “Acho que é por isso que o disco soava daquela forma”, ele justifica.

O novíssimo Head Carrier é o oposto do antecessor. Com Paz assumindo o baixo definitivamente, Santiago, Francis e Lovering, enfim, têm uma banda coesa para chamar de Pixies. E isso passa muito pelo fato de Paz ter experiências em outras bandas (caso das roqueiras A Perfect Circle e Entrance, nas quais ela gravou mais de um disco) e integrar, mesmo que interinamente, o Pixies desde a saída de Kim Deal e a passagem relâmpago da substituta Kim Shattuck.

“Paz está conosco há uns três anos e estava feliz por fazer parte da banda. Algo diferente do que acontecia com a Kim”, analisa o guitarrista da banda. “No fim da passagem de Kim, era possível perceber que algo não estava bem. Quando a Paz veio, nós sentimos essa entrada de ar fresco na banda. Isso se reflete no disco nessa forma, entende?”

Banda fundamental do indie durante um impecável intervalo de quatro anos, quando lançaram Surfer Rosa (1988), Doolittle (1989), Bossanova (1990) e Trompe le Monde (1991), o Pixies implodiu em 1993. A tensão entre os integrantes era gigantesca após esses anos nos quais eles se colocaram como banda influente para nomes como Nirvana e Radiohead, grupos que redefiniram o rock nos anos 1990. Em 1992, anunciaram uma parada para que cada integrante seguisse por projetos pessoais. No ano seguinte, veio o fim. Kim Deal dedicou-se ao The Breeders, Black Francis trocou seu nome para Frank Black e lançou uma penca de álbuns, Santiago tocou com Francis e outros artistas e Lovering, veja só, se tornou mágico.

O Pixies retornou aos palcos em 2004, mas um novo disco era uma ideia que vinha e voltava para a banda. Kim Deal não entendia a necessidade de se compor e gravar mais canções. Por muito tempo, essa decisão foi seguida pelo grupo. Quando o restante da banda insistiu em entrar no estúdio, Kim deu adeus. Sem gravadora, eles lançaram três EPs depois transformados no disco Indy Cindy.

Head Carrier parece ter nascido como se o intervalo entre Trompe le Monde, de 1991, e 2016 fosse de alguns meses. Paz, nos vocais, até lembra perigosamente Kim, como na introdução de Classic Masher, segunda faixa do álbum, cujos sussurros ao fundo da baixista argentina parecem ter saído diretamente de Where is my Mind, com Kim no backing vocal. O conjunto da obra, contudo, sobressai.

Da esquisitice de Um Chagga Lagga, “uma canção que acho que é sobre sexo”, arrisca Santiago sobre a primeira canção a ser mostrada, a Talent, o segundo e ótimo single, o álbum resgata o estranho encantamento promovido pelos discos do Pixies naquela virada de década quando surgiram para o mundo. Ainda há a guitarra berrante de Santiago, a voz esganiçada de Francis, a bateria suja de Lovering e o baixo vivo agora de Paz. “Sou uma fã do Pixies. E amo muito as facetas musicais que eles apresentaram naqueles quatro discos. Combinamos isso tudo e criamos um álbum clássico”, diz Paz, confiante em Head Carrier.

Para dar início a essa nova fase, era preciso se despedir de Kim. E isso veio com All I Think About Now, de autoria da nova baixista do grupo. “Sem a Kim, não haveria Pixies. Sem a saída da Kim, não haveria a Paz conosco”, explica Santiago. “E com ela, nos sentimos vivos de novo. É um renascimento.”

As baixistas do Pixies:

Kim Deal

É a baixista definitiva do Pixies – sobre isso não há dúvida. É a força que se colocava contra Black Francis e Joey Santiago, acrescentava melodia aos vocais e às harmonias. Integrou o quarteto de discos lançados na virada dos anos 1980 para 1990. Ao se recusar a gravar um novo disco após o retorno da banda, deixou a trupe em 2013.

Kim Shattuck

Uma substituta da icônica Kim também é uma Kim. Difícil dizer se isso era uma coincidência ou uma piada de mau gosto. A baixista do The Muffs foi escalada para participar da turnê europeia de Indy Cindy, o disco do Pixies lançado em 2014. Menos de 50 shows depois, ela foi demitida.

Paz Lenchantin

Como a banda provavelmente não encontrou nenhuma outra Kim para ocupar o posto de baixista, veio Paz. Brincadeiras à parte, a argentina reverencia Kim Deal e sabe colocar a sua identidade, sem exagerar demais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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