E a revolução não foi televisionada, talvez pelo fato de todas as câmeras e aparelhos de TV estarem ocupados mostrando Elis e Jair Rodrigues no Fino da Bossa, Roberto, Erasmo e Wanderléa no Programa Jovem Guarda, ou Gil e Caetano na Era dos Festivais. Os morros e as periferias do Rio, enquanto isso, começavam a ser cenário de uma história que ninguém aceitava com personagens que ninguém entendia. Os sambistas tradicionais os chamavam de alienígenas estrangeiristas, a ditadura os via como ameaças à soberania nacional, a esquerda os considerava traidores da cultura brasileira e a direita, importadores de subprodutos norte-americano. Uma paulada atrás da outra que, por mais violentas que fossem, não pareciam atingir as moças e os rapazes negros preocupados apenas em erguer seus black power no pente para cair nas pistas do Movimento Black Rio.

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Quando a imprensa descobriu, as casas de baile já estavam lotadas, com uma cultura de idioma, moda, música e coreografias tão coesas que pareciam obra de Hollywood. Entusiasmada com o fenômeno da Motown, a gravadora independente de Detroit que assustava majors poderosas lançando Jackson 5, Stevie Wonder, Diana Ross e Marvin Gaye, a chefia da gravadora Atlantic Records fez circular por suas afiliadas no mundo uma recomendação: descubram seus próprios grupos de soul music. A força daquela expressão liderada por jovens negros era tão poderosa que a América Latina e a África não deveriam apenas importá-las. Se eles não existissem, que seus executivos os criassem.

Chegou então o pedido a André Midani, chefe de então da gravadora WEA (Warner) no Brasil. Ao sair a campo, Alcione Magalhães, assistente de Midani, irmão de Oberdan Magalhães, sentiu o momento de colocar em prática todo o conceito que alguns músicos brasileiros, como Raul de Souza, Dom Salvador e o próprio Oberdan, já vinham procurando, a cidade sagrada entre o soul e o samba, o funk e a gafieira, o groove e o balanço, o jazz e a bossa. Com uma gravadora querendo investir e as ideias fervendo, nasceu assim, de uma costela de cada e dos sopros de Oberdan, um esqueleto dançante chamado Banda Black Rio.

Isso foi há 42 anos, com um disco chamado Maria Fumaça como cartão de visitas. Um contexto histórico bem apontado no livro 1976 – Movimento Black Rio, de Luiz Felipe de Lima Peixoto e Zé Octávio Sebadelhe, mostra a importância do surgimento desse grupo nesse momento, nesse lugar, com esse som. Sem mais integrantes da formação original, mas com o filho de Oberdan, William Magalhães, à frente, a Banda Black Rio faz a auto-homenagem com um álbum de temas inéditos e participações de artistas que passaram por ela ou têm a ver com seu discurso. O Som das Américas (lançado pela Universal Music e Hare Rare) comprova, no pensamento da composição de William, uma linguagem sem sinais de corrosão e que mantém as mesmas particularidades do grupo que foi mais longe no samba soul.

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Ninguém está ali por acaso. Gilberto Gil, autor da música Saci Pererê, o terceiro álbum da banda, de 1980, canta Irerê. Caetano Veloso, que em 1978 fez com a Black Rio o álbum Bicho Baile Show, canta o samba Aos Pés do Redentor. Chico Cesar, que não havia gravado com a banda, mas é outro parceiro de discursos e intenções afirmativas, aparece em Águas Sábias, uma instrumentação impressionantemente setentista.

Cesar Camargo Mariano, que fez muito pelo samba soul ainda ao lado de Wilson Simonal nos tempos de Som Três, faz o piano de Isabela, um samba-soul-gafieira com a voz de Elza Soares. A cantora inglesa Heidi Vogel faz vocal em Hearts in Time e Round and Round, lembrando um dos países que propagaram a cultura da Black Rio. “Quando eu tocava com o Gilberto Gil, estava caminhando pela Portobello Road, em Londres, e vi um exemplar em vinil do Maria Fumaça”, lembra William. “O cara estava pedindo 200 libras (algo hoje como R$ 1 mil).”

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O show para lançar o álbum será neste domingo, 30, às 18h, no Sesc Pinheiros. Marina Lima, mesmo não estando no disco, será uma convidada. Além de estar nas plataformas digitais, uma edição do disco em LP, feito pela Vinil Brasil, sai até setembro.

Apesar de toda a relevância histórica, e de um reconhecimento que começa a ganhar documentação com trabalhos como o livro de Luiz Felipe e Zé Octávio, a Banda Black Rio nunca foi uma campeã de vendas. Depois de seu primeiro disco instrumental, de 1976, a gravadora pediu e eles aceitaram colocar vozes nos seguintes, Gafieira Universal, de 1978, e Saci Pererê, de 1980. No entanto, mesmo com vocais, o pensamento de Oberdan era instrumental.

Características como as harmonias intrincadas e os arranjos trabalhados no detalhe afastaram de certa forma a Banda Black Rio do próprio movimento Black Rio, de uma estética mais soul funk brasileira, usada pelos grupos de Tim Maia, Hyldon, Cassiano, Gerson King Combo e Toni Tornado. A encrenca musical com a Black Rio era maior, algo que teve sua dor e sua glória. Ao mesmo tempo que não houve os holofotes de seus contemporâneos, sua música não ficou datada. Eles permanecem no futuro enquanto todos estarão sempre em 1970.

BANDA BLACK RIO
CONVIDA MARINA LIMA
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195; tel. 3095-9400. Dom. (30), às 18h. R$ 12 a R$ 40

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.