O bailarino Thiago Soares, de 34 anos, apresenta nesta terça, 14, e quarta, 15, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, o espetáculo Paixão, um tour de force em que, na mesma noite, passa de um príncipe em uma obra tradicional do balé clássico para coreografias contemporâneas, com diferentes exigências técnicas e artísticas. Mas embora seja o foco das apresentações, o primeiro-bailarino do Royal Ballet, em Londres, admite que essa proeza não seria possível sem as parcerias que construiu ao longo do caminho.
O projeto comemora os 15 anos de carreira internacional de Thiago, cujo marco inicial foi uma apresentação no Japão como artista convidado da montagem de O Quebra-nozes do Inoue Ballet. Segundo ele, foi seu primeiro grande cachê e abriu portas para outros trabalhos pelo mundo.
A celebração desse momento seria realizada há um ano, mas o bailarino nascido em São Gonçalo e criado em Vila Isabel, no Rio, se machucou. “Como é um espetáculo muito pesado, decidi adiar.” Agora, recuperado, ele exibe sua boa forma e maturidade artística. Antes da capital paulista, a apresentação já havia passado pelo Theatro Municipal, no Rio, e pelo Teatro RioMar, no Recife.
“Cheguei a um momento em que consigo fazer tudo. E isso também é um sonho para um artista. Poder transitar por todos os lados. É um privilégio fazer o 3.º ato de O Lago dos Cisnes na mesma noite em que danço com Deborah Colker.”
Entre os nomes que abraçaram o projeto de Thiago estão os coreógrafos Arthur Pita e Alessio Carbone (primeiro-bailarino da Ópera de Paris) e as primeiras-bailarinas do Royal Ballet Lauren Cuthbertson e Marianela Núñez – que dançou apenas no Rio.
Com muitos fãs no Brasil, a argentina Marianela foi casada com Thiago. O casal se separou recentemente. “Não há uma pessoa que tenha colaborado mais dentro e fora dos palcos. É mais do que uma honra tê-la aqui. É uma estrela internacional, faz parte da minha vida de uma forma muito especial”, afirma Thiago.
Encontro
Mas, talvez, a parceria que mais rendeu foi a de dois ícones da dança brasileira: o próprio Thiago e a coreógrafa carioca Deborah Colker. Há mais de três décadas na arte, Deborah, de 55 anos, foi convencida pelo bailarino a voltar a subir no palco. “Eu não dançava para valer desde 2006. O último espetáculo que dancei foi o Rota, com a minha companhia em Berlim. Em Tatiana (de 2011), eu danço, mas é uma participação pequena, de seis minutos. Paixão são 13 minutos e meio. São 20 duos”, conta Deborah.
A coreografia Paixão – que também dá nome ao espetáculo – foi criada pela carioca em 1994, para o espetáculo Vulcão. Cheia de movimentos vigorosos e ao som de hits românticos, a obra revela os altos e baixos de um relacionamento amoroso intenso. “Sempre quis dançar essa obra e também trabalhar com a Deborah. Fiz essa pressão com ela, para a gente trabalhar juntos e estou muito contente. Aprendi e me diverti muito e fiquei agradecido por todo o período que passei com ela”, afirma Thiago.
“Tem gente que acha que colaborar é colocar dois nomes e tirar uma foto juntos. Isso não é colaborar. Para mim, é o que a gente fez”, conta o bailarino. “Eu vinha toda hora de Londres para cá. Passava o fim de semana com ela, ensaiava. Ficávamos no WhatsApp todos os dias, mandando fotos. Isso é o colaborar: você entrar na vida da pessoa e conhecê-la para poder tirar o melhor dela, do ponto de vista profissional e pessoal”, completa.
Mas antes de isso ocorrer, muito empenho foi investido. Deborah fez Thiago ralar, e vice-versa. Para ela, foi principalmente um esforço físico. “Eu não sou uma bailarina. Sou uma diretora, coreógrafa, na minha cabeça. Eu danço as minhas coisas. O Thiago demorou a me convencer. Eu não sabia se o meu joelho e meu ombro iriam dar conta. Mas eu comprei o desafio. Aí eu me preparei mesmo. Voltei a fazer aulas todos os dias, voltei a malhar. Botar o físico na vertical, colocar a máquina para funcionar. Fui para uma academia e fiz coisas que nunca tinha feito, como musculação e hidroterapia.”
Por outro lado, segundo Deborah, ela desafiou Thiago artisticamente. “Ele tem o rigor do mundo clássico e eu tenho o rigor como artista. Eu sou uma pessoa muito rigorosa, todo mundo sabe disso. Para mim, era um desafio pessoal dançar com ele. O Thiago é uma pessoa acostumada a fazer papéis, personagens. Mas em Paixão é ele ali, sem nenhuma representação”, explica.
As conversas por WhatsApp e a dedicação ao trabalho conjunto deram espaço a uma grande amizade. “Eu me lembro do dia que ele mandou uma mensagem falando: ‘Tenho uma pergunta para fazer, mas estou com medo’. Ele queria colocar o nome do espetáculo de Paixão, igual ao da coreografia! Daí, eu falei: ‘Mas, Thiago, você não tá preguiçoso, não?’. Mas ele disse: ‘O espetáculo é sobre minha paixão pelo Brasil, pela dança, por você!’. Aí eu falei tá bom.”
A trajetória resultou em uma apresentação emotiva até para a veterana. “Falei para minha filha que não estava aqui (na estreia) que foi pura emoção. Acho que se me espremessem saía só lágrima.”
Projetos
Após as apresentações no Brasil, Thiago retomará seus compromissos internacionais. No começo do próximo mês, lançará uma linha de roupas para homens que dançam. No fim de agosto, volta para mais uma temporada com o Royal Ballet. Entre os próximos projetos pessoais, um já começa a despontar como seu novo xodó. Afirma que não pode dar muitos detalhes. No entanto, deixa escapar uma dica. “Será algo que vai me fazer voltar às minhas raízes na dança, algo bem lá no começo. Devo estrear primeiro lá fora, mas quero trazer para o Brasil.”
Antes de colocar sapatilhas e virar o primeiro-bailarino de uma das mais clássicas companhias de balé do mundo, Thiago entrou no universo da dança por meio do street dance. Pode ser que o próximo desafio do bailarino seja “guardar” os príncipes e voltar a calçar tênis para subir no palco. Se é isso ou não, por enquanto, só ele sabe.
O Lago dos Cisnes
No 3º ato de O Lago dos Cisnes, Thiago terá como partner nesta terça, 14, e quarta, 15, a inglesa Lauren Cuthbertson, primeira-bailarina do Royal Ballet. Integrantes da Companhia Brasileira de Ballet farão o corpo de baile.
Caresse du Temps é a criação inédita do italiano Alessio Carbone, estreia do primeiro-bailarino da Ópera de Paris como coreógrafo. “A gente já vinha há um ano tricotando sobre essa obra”, conta Thiago. O brasileiro será acompanhado por 16 bailarinos. O pianista mineiro Silas Barbosa toca 14 Prelúdios de Chopin.
Após dançar Paixão com Deborah Colker, Thiago se transforma em um caubói no solo La Bala. O português Arthur Pita se inspirou na canção Cucurrucucu Paloma para desenvolver a coreografia especialmente para o brasileiro, também inédita no País. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.