Em 1968, um ano emblemático, o cineasta alemão Peter Fleischmann realizou um filme premonitório sobre o racismo na Europa – Cenas de Caça na Baixa Baviera. Quem conhece aquele clássico do novo cinema alemão dificilmente deixa de fazer a associação. Bacurau, ou as cenas de caça no Brasil. Embora a lista de inscritos para concorrer à indicação pelo Brasil a uma vaga no Oscar comportasse 12 títulos, houve desde logo uma polarização entre dois – Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, o primeiro com o prêmio especial do júri, e o segundo escolhido como melhor na mostra Un Certain Regard.

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Na terça, 27, a comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema escolheu o longa de Aïnouz como o candidato do Brasil a uma vaga no prêmio de melhor filme internacional da Academia de Hollywood. Bacurau chega antes aos cinemas. Estreia nesta quinta, 29. Será o maior lançamento da história da distribuidora Vitrine, que também vai lançar A Vida Invisível, mas essa é outra história. Bacurau sai em 200 salas.

Qualquer que fosse o representante brasileiro – dos dois -, o País estaria bem representado Não se repetiu a politicalha que impediu que Aquarius, também de Kleber, fosse indicado há três anos. Na semana passada, a equipe esteve na cidade para o que se chama de ‘junket’. Diretores e elenco deram entrevistas para promover o lançamento. Sonia Braga dedicou sua interpretação a Marielle Franco, a vereadora que foi assassinada no Rio, em 2018. Kleber revelou que há dez anos iniciou a gestação do filme. Depois de Aquarius, e com a cumplicidade de Juliano Dornelles – diretor de arte e amigo do peito, colaborador em quase tudo o que fez antes -, colocou o foco em Bacurau.

Como um filme gestado ao longo de uma década pode ser o espelho do Brasil atual? Karine Teles, atriz – e grande vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro deste ano, por Benzinho – arrisca uma interpretação. Essa atualidade tão veemente – visceral – de Bacurau está no olhar de quem vê. A cidade que sumiu do mapa e está sob ataque de um bando de gringos, a população que pega em armas para defender seu território, as cenas de caça, tudo compõe o receituário de um western ideológico, mas dizer que é uma obra de revanche contra a perseguição a Aquarius? Kleber não lança gasolina no fogo. “Não vou dizer como as pessoas têm de ver o Bacurau. Desde que era crítico, sempre me recusei a entregar uma fórmula. Como crítico antes, como cineasta, hoje, meu papel sempre foi instigar.”

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Mais até do que Kleber, Juliano Dornelles é apaixonado pelo cinema de gênero. Bacurau tem elementos de ficção científica – a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico. Tem até terror. Kleber e Juliano, Juliano e Kleber, J&K, reabrem a vertente do western ideológico de Glauber (Rocha), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. É curioso, mas Quentin Tarantino, em Era Uma Vez… em Hollywood, revisita o spaghetti western e Noite Mágica, de Paolo Virzì, também questiona a autoria dos faroestes macarrônicos, por meio daquelas discussões de roteiros, e roteiristas. Kleber reconhece em seu filme a sujeira do spaghetti western, mas diz que a limpou ao filmar com a lente Panavision. Embora antiamericano – os matadores numa teoria da conspiração, a serviço de políticos corruptos -, o filme está impregnado pelo espírito da Nova Hollywood, da qual os diretores são admiradores, e dos mais apaixonados.

Na trama de Bacurau, Teresa/Bárbara Colen, um assombro de beleza e talento, vem enterrar a avó e encontra a cidade sitiada. Logo vai começar o ataque. A igreja virou depósito, o museu e a escola viraram sedes de resistência. “A gente não acorda um dia e diz que o roteiro vai ter essas simbologias. A gente escreve e tudo vai se desenvolvendo com naturalidade”, diz Kleber. “Acho fantástico quando as pessoas veem o museu e a escola como esteios da comunidade. Os forasteiros que chegam se recusam a visitar o museu. Talvez devessem ter aceitado. Uma coisa que é muito clara para mim, para o Juliano, para a equipe toda, é que a cultura merece, mais que isso, exige respeito.”

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As (violentas) cenas de caça mostram os invasores – os gringos, liderados pelo alemão Udo Kier, que se considera mais americano que eles – usando tecnologia de ponta. Armamentos, drones (em formato de disco voador). Sonia Braga faz a médica, Domingas. O sertão não vira mar – vira sangue. “A violência está no centro de tudo, mas não é o objetivo. Bacurau é sobre o que ocorre quando há radicalização”, reflete Kleber.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.