(BR 319 – Rodovia da ilusão)
Tecnologia conquista a selva
O professor João Evangelista Neto confirma ter sido um brasileiro quem criou a fibra ótica. |
Um dos fatos inusitados de nossa aventura foi testemunhar a chegada da mais moderna tecnologia digital, em pleno coração da selva amazônica. São mais de 100 homens enfiados na mata, trabalhando doze horas por dia, enfrentando toda espécie de dificuldades, ameaçados de serem atacados pelas onças, cobras, macacos e insetos venenosos ou então picados pelo mosquito da malária. Presenciamos numa oportunidade que os técnicos trabalhavam sob o ataque de um enxame de abelhas sem ferrão, usando fumaça para espantá-las.
Até o final de maio eles querem deixar interligadas Manaus e Porto Velho e, conseqüentemente, a região do Amazonas e Roraima, com o mundo, pelo mais avançado sistema de comunicação digital. Para isso, uma rede de quase mil quilômetros de fibra ótica está sendo instalada em cinco mil postes, abrindo 30 mil canais telefônicos para, com alta capacidade, escoar todo o tráfego de telefonia de dados, fax, etc. possibilitando a passagem de três milhões de vozes simultaneamente. Mas isso é apenas o começo, podendo, com pequena adaptação, se a demanda exigir, tornar a capacidade de transmissão infinita. O custo inicial da obra está orçado em 15 milhões, só em fibra ótica, mas a previsão é de que, terminada a instalação, o tráfego de cabo estará praticamente todo vendido.
Supervisiona a implantação do cabo ótico dentro da selva o cearense Ribeiro Sá, técnico em equipamentos de telecomunicações, que há 33 anos vem exercendo atividades na Embratel, empresa responsável pelo projeto que está sendo executado pela firma paulista Alfa Construtora. Quem coordena o trabalho da Alfa é o professor João Evangelista Neto. Ribeiro adiantou que o trabalho é dificultado pelos muitos atoleiros que existem na rodovia e que a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, ainda é trafegável, mesmo que precariamente, porque a Embratel faz a manutenção das pontes. Foram os trabalhadores dessas duas empresas que nos resgataram da selva, com o professor João Evangelista fornecendo os caminhões e Ribeiro a comida para a viagem. Para executar a instalação, a Embratel teve que construir o correspondente a 19 quilômetros de pontes, mas mesmo assim já abandonou dezenas de veículos ao longo da estrada, destruídos pelo péssimo estado da BR-319. Disse que as obras começaram em 12 janeiro e que, inicialmente, deveriam estar concluídas em 90 dias. ?Outro dia passou aqui uma equipe do Canadá e perguntou qual era o nosso divertimento nos finais de semana. Respondi que é trabalho, trabalho e trabalho.?
?Começamos às 6 da manhã e vamos até às 6 da tarde, chova ou faça sol?, revela Ribeiro, não perdendo sua tradicional alegria de bom cearense. Acampado em uma torre da Embratel, Ribeiro Sá informou que de janeiro até final de fevereiro, havia ido apenas uma vez a Manaus, para fazer compras. ?Estamos aqui com a bóia e tomando muito suco de cupuaçu.?
O isolamento
?Estamos numa região super-isolada e super-deserta. Passamos 30 dias em uma estação cuja residência mais próxima ficava a 300 quilômetros. Então, se precisar falar com uma pessoa, teríamos que andar 300 quilômetros. Você anda nesse mato, encontra animais silvestres, pouquíssima agropecuária, você sai de Humaitá até Manaus e encontra apenas uma fazenda, que tem algum gado e o resto é só mato e água?, fala Ribeiro Sá. Para puxar os quase mil quilômetros de cabo ótico a Embratel já plantou cinco mil postes de madeira na beira da estrada, um a cada 150 metros; construiu quase 200 pontes e se empenha em manter a rodovia transitável, para poder concluir o serviço, gastando 15 milhões de reais só em fibra ótica. ?Mas a fibra ótica vai melhorar mil por cento os meios de comunicação. Teremos um sistema de alta capacidade entre Manaus e Porto Velho, ligando-as ao mundo, para escoar todo o tráfego com a mais alta tecnologia, da mais alta capacidade, principalmente, telefonia de dados, fax, essas coisas. Tudo vai passar pela fibra ótica. É uma fibra que a gente está lançando que, de início, a capacidade não é muito elevada, só para 30 mil canais telefônicos, mas se a demanda exigir é só mudar o equipamento e passa a ser infinito o limite, porque a fibra já está instalada?, adianta o servidor da Embratel.
Considerando a Embratel uma empresa de visão e tendo ela compromisso com o futuro, Ribeiro Sá lembra que a empresa foi vendida em 1966, com a privatização, para a MCI americana. Depois foi negociada com a empresa mexicana Tel Mex, que hoje controla a Embratel. Em sua opinião, a privatização não alterou em nada, principalmente em relação aos seus funcionários. ?Por que a Embratel está fazendo um investimento tão elevado às margens de uma rodovia praticamente destruída pela natureza e pelo homem?? Ribeiro Sá não demora em responder: ?Na verdade não é por causa da rodovia, é por causa da clientela que ela tem em Manaus, Porto Velho e em todas outras cidades próximas desses dois grandes centros. Ela tem que passar o cabo, e o caminho mais fácil foi a BR-319. A Embratel tem um sistema de rádio entre Manaus e Porto Velho; são 22 estações ao longo da BR-319. Nelas está colocado o equipamento ótico, nas estações já construídas, independentemente da rodovia estar ou não funcionando. Quero informar também que se não existisse a Embratel, não existiria comunicação do Amazonas com o resto do Brasil; tudo foi construído, recuperado e mantido pela Embratel?.
Cearense, morando em Fortaleza, Ribeiro Sá conta que está nesse projeto por ser pioneiro em implantação de fibra ótica, principalmente no Nordeste. ?As primeira fibras óticas de longa distância no Nordeste foram implantadas em 1995 e eu participei desde o começo, no dia 31 de junho de 1995. Eu tenho muita experiência e o pessoal da região (falando do amazonas) não conhecia fibra ótica, então me convidaram e eu vim participar da execução do projeto. O pessoal pergunta o que estou fazendo aqui na selva amazônica e eu respondo que estou participando de um Rally Paris-Dacar.? A especialidade de Ribeiro está na manutenção de equipamentos eletrônicos na área de INGN, que é a nova tecnologia em telecomunicações, hoje. Ele diz que está na selva amazônica cumprindo uma missão e que não é louco não, conforme pensam colegas e amigos, que recomendam que ele faça exame de sanidade mental quando voltar para Fortaleza. (Na próxima edição, a bandeira da morte)
A difícil arte de colar os cabos
Para poder instalar fibra ótica no Amazonas, mais de 200 pontes foram construidos. |
Você já se imaginou colando uma ponta de cabelo na outra? Você já pensou fazendo isso em plena selva amazônica, rodeado por botucas, pernilongos (chamam de carapanã), abelhas e uma infinidade de outros insetos, e você se abanando para não ser picado por eles? Você acha possível fazer esse serviço nessas condições??? E sabe que é! Foi isso que vimos e assistimos na nossa aventura pela rodovia BR-319 – Manaus/Porto Velho. Antônio Gomes Neto, 36 anos, mineiro de São Lourenço, é o técnico responsável por colar as pontas da fibra ótica uma na outra. Até aí não há muita novidade, mas ao saber que a fibra ótica é da grossura de um fio de cabelo humano e a fusão tem que ser feita com a máxima precisão, então a coisa muda de figura. O mineirinho vai ter que fazer mil e oitocentas emendas para alcançar o final da rede de fibra ótica, de quase mil quilômetros de extensão, em pleno coração da selva. E ele faz a emenda com perfeição em menos de três horas. Foi com ele que presenciamos o uso de fumaça para espantar abelhas que não deixavam a equipe trabalhar.
Antônio conta como executa esse complicado processo: ?Nós temos duas pontas de cabo: o começo e o final de cada bobina. Fazemos a abertura na ponta do cabo, em média um metro e oitenta de fibra; fazemos toda a preparação, liberando o cabo do tubo onde fica guardada a fibra, o acrilato, que é uma casca, digamos assim…. que, além disso, ainda tem a fibra ótica dentro dela. A partir disso fazemos a limpeza, limpamos a ponta, alguns centímetros, decapamos, fazemos a limpeza com álcool puro, fazemos a ?clivagem? e usamos uma máquina de fusão, que faz a a ligação dos dois fios, através de descarga elétrica, sendo que há uma determinada perda nessa fusão. Nós usamos um aparelho chamado TDR para medir a atenuação de cada fusão e tem um valor pré-determinado, de acordo com o equipamento que vai ser usado em cada ponta.
Após todo esse teste, é feita a fusão, comandada dentro de uma caixa de emenda própria, fixado no poste, onde é acomodado o cabo. O processo é sempre acompanhado por técnico e fazendo esse teste é feita a liberação, quando é confirmada a atenuação do enlace admissível pela empresa, o que é feito através do equipamento que vai ser utilizado?. Resumindo toda a explicação técnica de Antônio, pois assistimos a operação, ele faz a ligação de duas extremidades de cabos que possuem em torno de 6 quilômetros de extensão, não maior do que um fio de cabelo, através de fusão (a fibra ótica é um plástico), numa máquina de extrema complexidade, que funciona graças a um gerador elétrico, movido a gasolina, instalado na carroceria de caminhonete. E tudo no meio da maior selva do mundo.
Trabalho complexo
Não concordando que a Embratel estaria levando tecnologia no meio do nada, diz Gomes Neto que a rede tem que passar no meio de nada mas, no caso, ela está ligando Manaus a Porto Velho, que são duas capitais. Depois ele voltou a explicar como se processa a ligação das fibras, dizendo que o trabalho exige muita atenção, porque não pode haver uma inversão. ?A gente emenda ponta com ponta, fibra um com fibra um, fibra dois com fibra dois. Imagine você no meio da mata, no coração da floresta amazônica, cheio de abelhas em volta de você, no meio do barro, chuva, não pode haver inversão nenhuma. É uma coisa que pede muita atenção, muita seriedade e um profissionalismo ímpar. É uma coisa da de muita responsabilidade?, manifesta.
Aproveitou para dizer que a Embratel está se transformando em uma empresa corajosa, levando emprego e tecnologia onde não há. ?Aqui tem gente que não sabe o que é internet, pensam que é comida, bebida, pensam tudo, mas não têm noção do que seja internet. Então a Embratel e a Alfa estão fazendo um trabalho excelente ao instalar essa rede de cabo de fibra ótica, apesar do governo não dar atenção para a rodovia BR-319?, criticou Antônio Gomes Neto, lembrando o trabalho que realizou no Paraná, fazendo ligação de fibra ótica entre Apucarana, Ponta Grossa, Ipiranga, Mauá da Serra, Faxinal, Mandaguari e Maringá. Lembrou que a Embratel tem uma ligação de cabos entre São Paulo e Curitiba, instalada entre 1998 e 1999.
O técnico justificou o uso de postes de madeira, por ser uma facilidade que se tem na região, além de que não há maneira de levar postes de concreto até lá, ?é totalmente inviável e a floresta amazônica oferece a possibilidade de usar postes de madeira, homologados pela Embratel. Esses postes agüentam, com certeza, 40, 50 anos e até mais, por não pegarem cupim. Os cupins até podem atacar por fora, mas o miolo desses postes que estão sendo usado não pegam cupim?, garante ele. A árvore que está sendo transformada em poste, que serão mais de cinco mil, é conhecida por quariquara, embora também possam servir a itauba e maçaranduba.
Uma aula sobre fibra ótica
A Embratel tem 22 torres entre Manaus e Porto Velho. |
Professor na área de mecatrônica na Universidade Estadual do Amazonas, que inclui mecânica, eletrônica e automação industrial, João Evangelista Neto, 48 anos, cearense, coordena a implantação dos cabos de fibra ótica em toda a extensão de Manaus até Porto Velho (BR-319), pela empresa Alfa Construtora. Com três cursos de graduação, com uma pós-graduação lato sensu e uma de strictu sensu, estando em fase de conclusão de doutorado em Engenharia de Produção e cursando doutorado em Engenharia de Telecomunicações, nas Universidades Federais do Rio de Janeiro e do Pará, ele fala sobre fibra ótica no Brasil, assunto que acompanha desde as primeiras experiências no setor. Nós fomos companheiros – durante quatro dias de acampamento – de João Evangelista ,quando ele deu a aula sobre tecnologia digital e fibra ótica, porque tudo era aventura.
Conta que participou, pela Telebrás, da implantação dos primeiros debbones óticos do Brasil, que na época era a fibra multi-modo, sistema hoje superado. Não entende porque o Brasil começou com multimodo, quando já existia monomodo no mundo todo. Posteriormente esse sistema foi substituído por fibra monomodo single mode, em inglês-SM. Explica que a fibra multimodo é bem mais limitada, tem mais perda, mais atenuação.
A monomodo tem uma atenuação bem menor, que consegue velocidade maior e mais eficiência de transmissão. Em sua opinião, a instalação de fibra ótica entre Manaus e Porto Velho vai beneficiar todo o Brasil, porque vai melhorar e muito a eficiência da transmissão, possibilitando maior velocidade de escoamento de dados, o que hoje é feito via satélite, que não tem eficiência maior devido o retardo que o satélite provoca, chamado de delei. ?Então instalada a fibra ótica e trafegando vai ter uma eficiência bem maior no escoamento de voz, dados e de telefonia com o resto do mundo?, ensina o professor.
Obra de brasileiro
Consta ter sido um brasileiro o criador da fibra ótica, no que concorda o professor, só que teriam sido os americanos e os japoneses que a aperfeiçoaram, eliminando a hidroxila no vidro, no quartz. A primeira fibra ótica no Brasil foi lançada no Centro-Oeste, pela CBCT, primeiro link ótico. A ABCXTAL conseguiu uma concessão, uma reserva de mercado por dez anos e produziu as primeiras fibras óticas brasileira. ?Os japoneses participaram efetivamente da otimização da fibra ótica?, confirma Evangelista, que está no setor desde quando a Telebrás criou o programa Pico-Programa de Implantação de Comunicações Óticas, oportunidade em que foram feitas algumas das primeiras implantações de fibra multimodo no Brasil. A tecnologia de fibra ótica no Brasil já está plenamente dominada em todos os sentidos, desde construção até manutenção. ?Não é mais uma tecnologia que se tem dificuldades de implantar, nem de se manter. Já é dominada?, afirma o professor.
Efeitos da privatização
João Evangelista Neto garante que o Brasil está muito bem servido no campo da fibra ótica e isso em razão da privatização da telefonia, que ocorreu em 1998. Segundo ele, as empresas correram para fazer suas redes de fibra ótica para escapar do aluguel dos outros. Antes, só a Embratel fazia o DDI e DDD, que seria a ligação internacional e a nacional a longa distância. Hoje é chamado de longa distância internacional e longa distância local. Então eles correram para fazer as próprias redes e houve uma febre muito grande nessa época. O Brasil está muito bem servido. ?O Chile e a Argentina também estão muito bem servidos, porque foram privatizados bem antes do Brasil?, informa o mestre.
– Então esse é o benefício da privatizarão? ?Eu vejo prós e contra. Eu diria que discordo da forma como foi feita, mas de um modo geral foi positiva porque houve um ganho de número de telefones, a eficiência melhorou. As centrais telefônicas hoje são l00% digitais. Na época, 90% eram eletro-mecânicas, centrais lentas. Então houve um benefício não só quantitativo, como qualitativo. Mas ha muitas coisas que se deram na privatização que realmente deixaram a desejar?, condena João Evangelista. Ele lamenta que no setor técnico houve falta de escrúpulo profissional, por parte de quem comprou, como em todos os países por onde passaram. A telefônica da Espanha, a da Itália, também fizeram isso na América do Sul. ?Houve demissão em massa dos profissionais qualificados e contrataram pessoas não habilitadas à altura, em detrimento da qualidade. Custos que eu diria, precipitados, porque isso veio impactar em problemas maiores. Eles estão tentando equacionar o problema terceirizando de forma bastante sem critérios?, revelou o professor.