Aventura na selva amazônica (III)

Na torre da Embratel vivemos quatro dias de tensão e frustração e comemos pela primeira carne de macaco com macarrão, feijão e arroz, após o jantar para 17 trabalhadores acampados. Dormimos em rede na garagem do imóvel e nesse tempo estudávamos todas as formas de recuperar o jipe para continuarmos a aventura. Frustradas foram todas as tentativas e estudos, apesar da boa vontade dos diretores da Alfa Construtora, que nos ofereceram mecânico e material.

Acordávamos por volta das 6 da manhã e era lindo o amanhecer na selva. Conjeturávamos diversas soluções, não descartando a hipótese de desistir da viagem e retornar a Manaus. Um caminhão viria de Humaitá carregado de material e nos levaria com jipe para prosseguirmos daí a programação traçada. O caminhão não chegou pois havia caído uma ponte. Nesse tempo perdemos uma carona numa Toyata Bandeirantes para Manaus.

A  equipe de resgate
com o caminhão.

Frustrada a tentativa de continuar a viagem com o jipe depois de demoradamente revisado por um mecânico da Alfa. Às 7h10min do dia 24 de fevereiro deixávamos a torre Marielson. Três minutos depois paramos e voltamos ao acampamento.

O jipe nos esgotou as esperanças. Caiu sobre nós desânimo e tristeza. Começamos matar o tempo andando pela estrada em plena selva amazônica, sem rumo e sem destino. Claro, com facão e machado nas mãos para defesa de um eventual ataque de onças, cobras e macacos. Lá, aprendemos a tomar banho de cuia e cortar a barba no espelho do carro. As necessidades fisiológicas eram no mato. Histórias dos caboclos e como vivem os poucos moradores da beira da estrada faziam passar o tempo. Dia 26 tudo acabou. Desistimos da aventura. Começamos o retorno a Manaus e o jipe ficou para atrás.

Retorno: uma operação resgate

Imidio Pessoa de Andrade
e a história do peixe assassino.

A volta até Manaus demorou três dias. Para chegarmos, foi preciso montar uma verdadeira operação de regaste; um caminhão e uma caminhoneta GM-600 e uma dezena de homens. Inicialmente, partimos em um Ford 12000-1995, com muck e com l00.934 km rodados. O motorista, Carlos Alberto Andrade, 25 anos – conhecido por Jatobá – estava a tempo na região carregando e fincando postes. Experiente, garantiu que no mesmo dia chegaríamos a Manaus. Não andamos meia hora e o caminhão entrou em um buraco impossível de removê-lo só com a nossa força. Lá passamos quase o dia, até a volta de Márcio, que se prontificou a enfrentar a pé 23 km até a antena do Marielson para pedir socorro.

Voltou às 16h30 com mais um caminhão e trabalhadores para nos salvar. A determinação do professor João Evangelistas Neto, coordenador dos trabalhos da Alfa Construtora, era para que a nossa saída da selva fosse tratada com ?prioridade?. Tirado o caminhão de Jatobá do atolador, viajamos alguns quilômetros e acampamos numa choupana abandonada e inundada. Seis homens jantaram uma lata de sardinha com um punhado de farinha. Eu e Márcio dormimos nas cabines dos caminhões. Dia 27, quem acordou mais cedo foi buscar goiaba e ingá para o café, colhidas às margens da estrada. Às 6h15 partimos para enfrentar o pior trecho. Para fazermos 170 km, gastamos um dia e meio. Em um trecho de 10 km atolamos quatro vezes. Era um caminhão puxando o outro e os homens empurrando. Uma verdadeira epopéia.

O Engesa ainda está aos
cuidados de João Evangelista.

No segundo dia ficamos sem o caminhão Ford. Entrou num atolador que nem a força dos trabalhadores e a GM-600 conseguiram tirar. Anoiteceu e nosso propósito era chegar a Igapó-Açu. A caminhoneta ficou sem luz. A estrada desaprecia nas trevas. O recurso foi utilizar duas lanternas portáteis em substituição dos faróis (para piorar, uma ficou sem pilhas, mesmo usando as da máquina fotográfica do repórter). Usamos desvios porque pontes desmoronadas interditavam a rodovia.

Assim, rodamos 15 km e às 22h35 min chegamos a Igapó-Açu. De alimentação, só um pedaço de porco-do-mato que havíamos ganho naquela tarde (cozido em água e sal, com uso de lenha – fazia 15 dias que não chegava gás) e um precário quarto para dormir. Comunidade com 53 famílias, Igapó já teve projeção econômica quando a rodovia tinha tráfego. Dia seguinte, 28, atravessamos o Rio Igapó de balsa para andar mais 50 km. Agora, já com produtos agrícolas na carroceria e alguns agricultores (a carona é questão de solidariedade e conveniência se atolar, ajudam). Foram 50 km de atoleiros, naquela que deveria ser uma terraplenagem para asfalto. Marcio havia colocado roupa limpa ?para pegar o avião em Mánaus?. Virou um barro só. Às 12h25, descemos da balsa do Rio Tupuana e estávamos salvos.

Momento histórico da despedida.

Comemos em um restaurante, para compensar os dois dias à goiaba e ingá. Um táxi nos levou até Carreiro da Vázea e às 14h30min tomamos um barco expresso e atravessamos o Rio Negro. Estávamos em Manaus. Aventura interrompida, programa desfeito. Voltamos sobre nossos próprios passos. Era terça de Carnaval. Caímos numa cama e acordamos na Quarta-feira de Cinzas, com uma Manaus completamente morta. Não encontramos nem famárcia aberta para curativos em nossas feridas. Às 16h20 do dia 1.º de março de 2006 tomamos um jato da Varig e às 22h25min estávamos no Aeroporto Internacional de Afonso Pena, sem bagagem. A companhia aérea deixou-a em algum lugar do caminho.

Nem isso nos incomodava mais. Agora, 50 dias depois, o Engesa ainda está aos cuidados de João Evangelista, já recuperado pelos mecânicos e fazendo justamente o que esperávamos: superar os obstáculos da BR-319. Lá ficará, se tudo der certo, até o final da época das chuvas. O empréstimo foi a forma de gratidão que encontramos pelo socorro nos piores momentos. Ainda temos alguns ferimentos que estão curando. Márcio perdeu três unhas e tem uma das feridas ainda cicatrizando. Eu ainda estou recuperando a sola dos pés, ?lixadas? pela ação do tabatinga. A BR-319 deu-nos uma nova dimensão para a a frase ?tenha fé!?.

Candiru, o peixe assassino

Dificuldade até para
o resgate chegar.

Nas passagens pelas balsas ouvimos histórias que umas assustam, outras são hilariantes. Mas a que contou Imidio Pessoa de Andrade, 54 anos, natural do Piauí e morador em Humaitá desde 1971, é triste. Informou que nos rios Madeira e Solimões há um peixe de menos de um palmo, conhecido por candiru que é atraído por sangue e ácido úrico. Contou que há não muito tempo, um cidadão de uns 30 anos caiu da Balsa do Rio Madeira, próximo do mercado e, na queda, cortou a cabeça e furou a pele em diversos pontos, chegando às águas com sangue.

Os peixes penetraram pelos orifícios e 20 minutos depois o homem estava morto, com o corpo devorado pelos candirus, que atacam de dentro para fora e só deixam o esqueleto, ?Vira boneco?, classifica Andrade, que afirma ter assistido ao fato sem poder acreditar no que estava vendo. O peixe deixa o cadáver pelos mesmos furos que penetra.

Comida: batata, macarrão
e carne de macaco.

Duas garotas foram salvas pela iniciativa de um caboclo. Segundo Andrade, elas estavam tomando banho no Rio Madeira, também em Humaitá, quando foram atacadas pelos candirus, entrando pela vagina. Ao pedirem socorro e se debatendo nas águas, o caboclo foi em auxílio das adolescentes, uma de 12 e outra de 13 anos, e conseguiu salvá-las, arrancando os candirus com os dentes. O peixe assassino é gosmoso, liso e escorrega pelas mãos. É impossível segurá-lo. Andrade recomenda que não se deve nadar nas águas do Rio Madeira sem estar bem protegido. Não se deve ter sangue ou cheiro de carne e de ácido úrico. Recomenda também que não se tente puxar o peixe pois ele tem ?serrilha?, que na volta ?vem rasgando? (dizem que é comum a adoção de procedimento cirúrgico para retirada). Lembrou que muitos corpos, depois que caem nas águas, desaparecem, porque depois do candiru, vem o piracatinga urubu da água. Este acaba com o resto do que o candiru deixou.

(Na próxima edição, as razões do abandono da 319).

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