Abbas Kiarostami morreu, Jafar Panahi segue na sua situação especial. E Asghar Farhadi? Seus prêmios em Berlim, Cannes e no Oscar fizeram dele o mais conhecido diretor do Irã. Em Cannes, no ano passado, na coletiva de O Apartamento, ele brincou – “As pessoas me reconhecem na rua. Às vezes me sinto como um jogador de futebol.” Farhadi conseguiu de novo. O Apartamento ganhou dois prêmios importantes em Cannes, 2016 – melhor roteiro, do próprio diretor, e melhor ator, para Shahab Hosseini. O filme está indicado para o Globo de Ouro e existem apostas seguras de que estará – de novo – no Oscar. Pelo menos entre os nove pré-indicados já ficou.
O Apartamento estreia nesta quinta, 5. É outro grande filme de Farhadi, na sequência de À Procura de Elly, A Separação e o próprio O Passado. Mas enfrenta concorrência pesada – no mesmo dia está estreando o vencedor de Cannes no ano passado – Eu, Daniel Blake, de Ken Loach. O novo filme de Farhadi é sobre um dublê de ator e professor. Na peça dentro do filme, ele integra grupo que monta o texto de Arthur Miller, A Morte do Caixeiro Viajante. Ocorre um problema no prédio em que mora com a mulher. O casal muda-se para o apartamento fornecido por um amigo. A moradora anterior era uma prostituta. Um antigo cliente tenta invadir a casa. Há dúvida se a mulher de Hosseini – o personagem chama-se Emad – foi violentada, mas alguma forma de assédio (e embaraço) ela sofreu. E o marido resolve se vingar.
“Os intelectuais são tão perseguidos, têm sofrido tanta repressão no Irã”, contou Farhadi em Cannes. “De alguma forma, eu queria mostrar isso na tela.” E o curioso, segundo o diretor, é que com artistas de teatro isso tende a ocorrer menos, até por ser o cinema um meio mais massivo, popular. A própria ideia de uma montagem iraniana do clássico de Arthur Miller pode parecer estranha. No original, chama-se Death of a Salesman e The Salesman é o título internacional de O Apartamento. O cliente é um homem respeitável. Como no texto de Miller, O Apartamento é sobre homens de bem e até onde podem ir.
Para Farhadi, a violência de Emad não é irracional, mas premeditada. “O filme coloca um problema ético. Tem gente que acredita que a violência que vai cometer é justificada. Sei que é complicado, mas o terrorista parte desse princípio. Muita coisa violenta que ocorre hoje no mundo tem justificativa ideológica. Não creio que seja humanamente aceitável e nem o filme quer dar conta dessa complexidade. Não quis, pelo menos de forma consciente, abordar o que está ocorrendo, mas com certeza o filme é meu comentário sobre o estado do mundo.” No filme, a reação de Emad provoca uma situação que escapa ao controle.
Em O Círculo, que venceu o Festival de Veneza em 2000, Panahi já abordara o tema-tabu da prostituição na sociedade islâmica. E em A Floresta/The Hunter, de 2010, Rafi Pitts também já narrara, como ação, a história de homem que mata dois policiais numa manifestação e vira alvo de uma caçada. Panahi, com o tempo, tornou-se o mais perseguido (pelo regime) dos autores iranianos. Rafi Pitts foi filmar Soy Nero na fronteira entre EUA e México. Farhadi, talvez pela projeção internacional – e por sua dupla aceitação, no Irã como nos EUA -, tem se beneficiado de uma liberdade pouco frequente para os artistas de cinema do país.
É importante também falar da atriz que faz Rana, a mulher de Emad – Taraneh Alidoosti. Em seu primeiro longa a estourar em Berlim – ganhou o Urso de Prata -, À Procura de Elly, Farhadi já dirigira Shahab Hosseini. A protagonista feminina era Golfishteh Farahani, que depois se radicou na França. Em A Separação, pelo qual ganhou o Urso de Ouro e o Oscar, a atriz era Leila Hatami. E, em O Passado, rodado na França, uma estrela local, Bérénice Bejo, era a mulher dividida entre a tradição e o amor. Todas as mulheres de Farhadi são singularmente belas, além de excepcionalmente talentosas. A qualidade da interpretação agrega ao valor do filme, mas o júri de Cannes preferiu o ator. Shahab Hosseini merece o prêmio que recebeu.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.