Dono de uma carreira invejável, o paranaense de Peruíbe, Miguel Sanches Neto volta à ciranda literária com “A Máquina de madeira” (248 páginas, Companhias da Letras). Como plano de fundo a obra tem a investida do padre Francisco João de Azevedo, no século XIX, na criação de uma máquina de escrever – uma mistura de piano e máquina de costura -, mas coloca em pauta o despreparo tupiniquim em lidar com seus talentos.
Divido em duas partes “Londres” e “Nova York”, as duas cidades são, na verdade, o reflexo dos anseios do padre inventor, que apesar dos pensamentos progressistas se vê oprimido pela Igreja, pelo Império e, principalmente, por si mesmo – preso em convicção que acredita com certa frivolidade.
Imaginário verdadeiro
A prosa de Sanches Neto é certeira. O contexto histórico ganha de ares de romance, e embora o autor tenha se dedicado a pesquisar o assunto e trabalhe com situações verídicas, a narrativa coloca no ar a pergunta que é real e que não passa de ficcional. Essa questão não é nova, o escritor americano Truman Capote ao cobrir o assassinato de uma família no Kansas em 1959 – e que resultaria em “A Sangue frio”, obra clássica do jornalismo literário – levantou diversas vezes a mesma indagação.
A chegada de padre Azevedo à Corte coloca a disparidade entre a sua terra natal, no nordeste, e o Rio de Janeiro, entretanto, ao mesmo tempo deixa às claras as semelhanças entre os diferentes lugares: o parasitismo – herança colonial –, a letargia e a dependência – costumes construídos pelos próprios brasileiros – que impedem a ida do inverto além dos limites de seu próprio país, caindo no anonimato anos depois.
Triste tradição
Quando tudo parecia ter acabado, e acabado mal para o padre, um negociador americano traz a solução de levar Azevedo para Nova York e os dois negociarem a ideia brasileira. Nessa altura, o padre que carrega o fardo de ser maçom e ter uma filha com a empregada negra, não passa de um descrente, que pela falta de fé – em si mesmo – se coloca à mercê de um oportunista que rouba, de forma sutil, seus projetos e os vende para a Remignton, que iria comercializar a máquina de escrever.
Quando soube que da traição, Azevedo já estava resignado e, talvez, por isso não sentiu o peso de ser passado para trás. Da mesma forma que tentaram fazer com Santos Dumont, o verdadeiro criador por subjugado e deixado de lado, em favor de um estrangeiro.
A dor é levada às últimas consequências, sem que seja necessário ser piegas e, aí, mora outro trunfo de Sanches Neto e que demostra a capacidade de enlear o leitor em uma teia composta de verdades e ficções, algo comum na prosa do inglês Ian McEwan e do americano Philip Roth, mas muito mais profundo na literatura do paranaense.