O jornalista e escritor alemão Florian Illies, de 45 anos, já escreveu sobre o conformismo de sua geração de yuppies no livro Generation Golf. Cumprida a tarefa, resolveu dedicar-se a um estudo sério sobre as vanguardas artísticas – musical, literária, visual – que mudaram o século 20. Escolheu apenas um ano para situar sua história. 1913 – Antes da Tempestade, livro que a Estação Liberdade coloca agora no mercado, é um trabalho erudito, mas cheio de humor, que analisa a vida e a obra de escritores como Kafka e Thomas Mann, artistas como Duchamp e Malevitch, músicos como Schoenberg e Stravinski, líderes políticos como Stalin e Hitler, além dos pais fundadores da psicanálise, Freud e Jung.

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Essa história de 1913 é contada mês a mês, num ano marcado por grandes acontecimentos – entre eles o roubo da Mona Lisa e o lançamento do primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Illies fala da depressão do escritor francês e de outros criadores marcados pela doença – Musil, Kafka, Virginia Woolf. Fala também dos grandes escândalos artísticos – como A Sagração da Primavera, de Stravinski – e de obras que fizeram o século 20 abrir as portas para a modernidade. Illies concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno 2 para falar desses e outros temas de 1913, a história do ano em que todas as vanguardas viveram em perigo.

Numa entrevista concedida ao cineasta Alexander Kluge, você disse que 1913 foi o “ano da individualidade’, considerando que nele vários grupos da vanguarda artística foram dissolvidos, como o Die Brücke. Você vê alguma semelhança entre 1913 e a época que vivemos, uma vez que, também em 2016, não parece mais haver espaço para grupos ou manifestos?

Para mim, foi um prazer mergulhar no ano de 1913. De repente me dei conta de que todos os artistas seguem o próprio caminho atrás da sabedoria e da verdade. Resisto a traçar um paralelo entre 1913 e a atualidade, ou pelo menos a admitir que tivesse isso em mente. Mas, para minha surpresa, muitos leitores na Europa leram o livro como se fosse uma análise dos tempos que correm, como um aviso para o que pode acontecer se todos acreditarem na paz eterna.

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Para o mundo da arte, o ano de 1913 tem um significado muito especial por causa do primeiro ready-made de Duchamp e a invenção do suprematismo por Malevitch, entre outros acontecimentos importantes. Como explicar essa rara conjunção histórica? Foi só uma coincidência ou a arte abstrata estava realmente no ar?

A despeito do fato de ter apenas 45 anos e trabalhar como jornalista e no comércio de arte, ainda acredito em milagres. Quero dizer, acredito que não seja possível explicar completamente a razão desses pontos de ruptura na história da cultura. Naturalmente, existem algumas pistas, alguns fatos, algumas razões. Mas sempre será importante o que está no ar. Nada é mais poderoso que uma ideia que surge na hora exata. Para mim, parece que toneladas de novas ideias surgiram em 1913, sendo a abstração apenas uma delas.

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Quatro cidades, segundo seu livro, eram as capitais da cultura europeia em 1913: Berlim, Viena, Munique e Paris. Em sua opinião, qual delas foi mais importante para o desenvolvimento da arte moderna?

Viena foi o núcleo do mundo cultural em 1913. Foi o lugar onde velhas e novas ideias se chocaram – Schiele e Klimt, as teorias de Freud e Wittgenstein, os romances de Schnitzler favoreceram a eclosão da modernidade num país em que o imperador Franz Joseph estava no poder há 48 anos! Paris foi o coração da arte moderna com Matisse, Picasso, Duchamp. E Berlim parece ter sido uma usina, um laboratório de criação, enquanto Munique representou um lugar onde a modernidade encontrou certo conforto. Tentei contar a história de 1913 como uma mistura de tudo isso, pois seria ingênuo acreditar que a história cultural é produto de uma série de revoluções. Em 90% dos casos, 1913 foi um ano dominado pela normalidade. Contudo, para os 10% restantes, que representam os movimentos de vanguarda, esse foi um ano excepcional.

Alguns nomes em seu livro são mencionados com maior frequência que outros, entre eles o do escritor checo Franz Kafka, que você parece ter escolhido como símbolo dessa era trágica. Por que Kafka e não Thomas Mann, descrito no livro como um burguês não muito consciente de sua homossexualidade?

Pela afinidade maior com Kafka, que se expõe muito nas cartas endereçadas a Felice, parece natural que tenhamos uma impressão mais real de como viveu, como pensou e como sofreu. Já Thomas Mann estava sempre representando um papel – como escritor, pai e marido. Prefiro escrever sobre pessoas com sentimentos reais, verdadeiros. É por essa simples razão que Gottfried Benn, Kafka e Ernst Ludwig Kirchner ganham mais destaque no livro. Porque é possível chegar mais perto deles.

Humor é um traço de 1913, do começo ao fim do livro, em particular quando você contrapõe o discurso de Marinetti às críticas de Alfred Döblin sobre o movimento do italiano, como se Döblin adivinhasse que ele viria a ser mais importante que o futurismo de Marinetti. Foi uma opção para tornar mais leve o conteúdo do livro?

Humor, para mim, é uma maneira de lidar com os extremos, com as tragédias da vida. Para mim, como autor, é importante encontrar um modo de fazer da história da cultura uma história agradável, legível: é um bom sinal quando pessoas me dizem que riram durante a leitura. Penso que, definitivamente, não rimos o suficiente de nossos heróis culturais. 1913 tenta mostrar esses heróis como seres humanos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.