Louco? Irresponsável. O próprio Vinicius Coimbra preferiu se definir assim no debate sobre “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, que adaptou do conto de João Guimarães Rosa (em “Sagarana”). Só louco, ou irresponsável, para se lançar à tarefa de refilmar um dos filmes considerados clássicos do cinema brasileiro. Walter Carvalho estava na mesa. O grande diretor de fotografia dispensa apresentações. Estava feliz – na véspera, sexta, recebeu a primeira cópia do documentário (que dirigiu) sobre Raul Seixas. Carvalho, como disse, caiu de paraquedas naquela mesa. Foi substituir o filho, Lula, o fotógrafo de “Matraga”, que o chamou para fazer a segunda câmera no duelo final entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem.

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Walter Carvalho confessou que volta e meia assiste ao Matraga original, a “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, e a “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, para resgatar sua identidade e saber quem é. São, para ele, as três obras icônicas do Cinema Novo. Com pequenas variações, são as de todo o mundo. O repórter, por exemplo, substituiria Matraga por “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, mas isso não é porque Matraga lhe desagrade. O que disse Carvalho dá a medida do desafio que Vinicius Coimbra assumiu. E ele, ainda por cima, é diretor de novelas na Globo, o que automaticamente coloca boa parte da crítica, senão toda, contra ele. Não sejamos cínicos. O preconceito existe, talvez muitas vezes seja até justificado, mas nem sempre. A Globo Filmes não é parceira (ainda) de “Matraga”, poderá vir a ser. O filme, distribuído pela Nossa, em princípio está apontado para estrear no fim do primeiro semestre de 2012. Tem muito chão pela frente.

O importante é que ninguém, nem na eventualidade de que venha a ter apoio da Globo, poderá dizer que “Matraga” não fala a nossa língua, como sempre tem alguém para berrar nas quentes sessões do Odeon, que abriga a Première Brasil. Sempre que, no fim do institucional da empresa, o narrador diz que os filmes da Globo falam a nossa língua, uma ou mais vozes berram ‘Mentira!’. Coimbra e a mulher, a roteirista Manuela Dias, de “O Transeunte”, de Eryk Rocha, fizeram um belo trabalho de pesquisa. No início, ele queria adaptar outro Guimarães Rosa, “Campo Geral”, narrativa de Manuelzão e Miguilim. Chegaram a trabalhar um tempo relativamente longo antes de descobrir que os direitos haviam sido adquiridos por Flávio Tambellini, para um projeto com Sandra Kogut. Coimbra voltou-se então para “Matraga”.

A primeira coisa que fez foi assistir ao filme de Roberto Santos. Descobriu não apenas que era transponível para cinema como comportava múltiplas leituras e a dele era diferente. Com a mulher, Coimbra pesquisou situações e a prosódia, os neologismos de Rosa, em outros originais do escritor. Eventualmente, você pode até continuar preferindo o filme antigo – com aquela fotografia em preto e branco e aquela trilha de Geraldo Vandré – “O terreiro lá de casa/não se varre com vassoura/varre com ponta de sabre/bala de metralhadora”. O novo “Matraga” é em cores, com trilha sinfônica – para realçar duplamente a interiorização do relato e trazer para o filme o que o diretor define como “contemporaneidade”.

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Coimbra ama os atores – é o motivo pelo qual faz novela. Ele conseguiu motivar outros dois loucos. João Miguel, que assumiu o desafio de substituir Leonardo Villar como Nhô Augusto, e José Wilker, que faz Joãozinho (Jofre Soares no filme antigo). Wilker definiu a relação antagônica dos personagem como ‘de amor’. O confronto final tem algo de shakespeariano. Os dois matam e morrem com coragem e grandeza, como se das balas viesse a remissão pelos pecados. É a essência de Augusto – o santo e o guerreiro, Deus e o Diabo no mesmo interior atormentado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.