Poucos seriados tiveram uma sobrevida tão longa quanto Carga pesada. Inspirado no romance Jorge, um brasileiro, de Osvaldo França Jr., estreou na tevê Globo em 1979, estrelado por Stênio Garcia e Antônio Fagundes. Na época, a emissora passou a investir em seriados nacionais e pôs no ar os ótimos Malu mulher e Plantão de polícia. Dois anos mais tarde, seria a vez de Obrigado, doutor e Amizade colorida, este também com Fagundes.
Todos eles faziam parte de um esforço de construção de novos modelos para a teledramaturgia brasileira, com temas muitas vezes ousados na época e que superavam os eternos conflitos amorosos das novelas. Como nos seriados de tevê americanos, as séries tinham histórias fechadas, que podiam ser vistas isoladamente sem prejuízo da compreensão do espectador. Malu mulher revelava os problemas da mulher descasada nas grandes cidades. Obrigado, doutor, os dramas médicos ligados às doenças e emergências. Amizade colorida, os relacionamentos passageiros de um solteiro sedutor. E Plantão de polícia, os bastidores da notícia sob os olhos de um repórter policial.
Desde o começo, Carga pesada tinha características especiais. Era um ?road movie?, na qual os habitantes das estradas, como caminhoneiros, policiais, prostitutas e viajantes, se cruzavam em cenários bem diferentes das locações fechadas de outras séries. Assim, combinava belas paisagens com histórias bastante diferentes dos previsíveis núcleos ricos e pobres das telenovelas. A história dos dois motoristas que desbravavam o País montados em seu cavalo mecânico, porém, era turbinada pelo talento e carisma de dois atores com uma brilhante carreira teatral. Hoje com 75 anos, Stênio Garcia, o Bino do seriado, atuou em peças tão diferentes quanto Peer Gynt, Cemitério de automóveis e O auto da Compadecida e filmes como Eu tu eles, sempre com muito sucesso. Na tevê, deixou tipos marcantes desde o tio Ali de O clone até um antológico Aleijadinho em um Caso Especial.
Antônio Fagundes, de 58 anos, é o motorista Pedro. Ele também desenvolveu uma carreira marcante nos palcos, com personagens inflados com sua presença física e uma afiada inteligência. Atua desde o Teatro de Arena, dos anos 60s, que ajudou a renovar a dramaturgia brasileira. Na tevê, é um contumaz galã em papéis como o Bruno Mezenga, de O rei do gado, e o canalha Felipe Barreto, de O dono do mundo.
Atuação corporal, expressividade e intuição de um lado e carisma e construção objetiva do outro combinaram-se numa dupla tão eficiente e emocionante que está – com intervalos – há 28 anos no ar. São eles a razão da permanência do programa – ao lado dos polpudos patrocínios das fábricas de caminhões. As atuais histórias deixaram há muito a descoberta do Brasil profundo e se abrem em fantasias inspiradas em Shakespeare e no folclore brasileiro. Caminhões carrregam 10% das riquezas do Brasil. Carga pesada é uma pequena delas.