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Ator desfia humor afiado de Machado de Assis em ‘Memórias Póstumas’

A irônica dedicatória tornou-se já um dos clássicos da literatura brasileira: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico, como saudosa lembrança, estas Memórias Póstumas”. Em poucas palavras, Machado de Assis (1839-1908) já revela a ironia e o humor refinado que marcou sua obra na fase mais madura e mais importante, na qual Memórias Póstumas de Brás Cubas reluz como ouro. “Machado, na prosa, é muito teatral: ele te envolve e, quando menos você espera, ele te puxa o tapete”, comenta a encenadora Regina Galdino que, novamente, assina a direção da comédia musical Memórias Póstumas de Brás Cubas, que estreia na quinta-feira, dia 20, no Teatro Eva Herz.

Trata-se de um monólogo, interpretado por Marcos Damigo, que, durante quase 90 minutos, tem o desafio de não apenas narrar a trajetória do anti-herói como o de revelar – em palavras, gestos e música – a metáfora de um Brasil desprovido de projetos, simbolizado por esse homem burguês que, sem escrúpulo tampouco ética, exibe um comportamento oportunista comum tanto no Brasil do século 19 como no atual.

“Brás é bem-humorado, apesar de também ser egoísta e amoral”, conta o ator, que revela sua versatilidade em cena. “Por isso, acaba conquistando o público.” Ciente da necessidade de um intérprete que transitasse com desenvoltura por cenas ora sérias, ora cômicas, além de revelar as qualidades necessárias para o canto, Regina Galdino conta que não precisou pesquisar muito até chegar ao nome de Damigo. “Não bastasse seu preparo, Marcos interpretou recentemente outro monólogo baseado em Machado de Assis, As Sombras de Dom Casmurro, o que o deixou à vontade para transitar no universo machadiano.”

Tamanha preocupação com o preciosismo não é gratuito – Regina utiliza, nessa montagem, exatamente o mesmo plano que usou ao dirigir Cassio Scapin no elogiado espetáculo de 1998. “Se o espectador não fica intrigado ante o anúncio da adaptação – é quase impossível levar ao palco uma narrativa que vive da cáustica leveza de seu estilo -, fica perplexo com a ousadia da adaptação, que tomou um romance antiteatral e deu-lhe a forma de um monólogo musical”, escreveu o crítico Alberto Guzik, no Jornal da Tarde, em 1998.

Responsável pela adaptação, Regina primeiro dissecou o romance de Machado e, ao descobrir diversas camadas – os capítulos seguem uma ordem irregular no estilo -, percebeu que deveria seguir a lógica brechtiana e “carnavalizar” a montagem, ou seja, promover uma afinada conversa entre quatro artes: teatro, literatura, dança e música. “Para que o monólogo se resumisse a uma interminável conversa com o público, percebi a necessidade de acrescentar canções para também contar a história, como Brecht fazia”, conta ela. “E, para que isso funcionasse, a música seria apresentada em diversos estilos, da valsa ao samba.”

Regina ainda guarda todas suas anotações de há quase 20 anos, nas quais sua metodologia metódica explica o sucesso da adaptação. O acaso também ajudou – ao receber, na época, a negativa de um compositor em criar as músicas, a diretora, que já havia selecionado os trechos do livro que seriam utilizados como letras das canções, valeu-se da amizade e do talento de Mário Manga que, a partir das indicações de Regina, compôs a música original. E a variedade de estilos melódicos foi devidamente costurada por Pedro Paulo Bogossian, responsável pelos arranjos e direção musical. Finalmente, o figurino de Fábio Namatame comprova sua eficiência, mesmo 19 anos depois.

“O resultado é um espetáculo ainda muito vivo, desafiante, cômico – assim como sempre será a escrita de Machado”, observa Damigo.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

Teatro Eva Herz.

Livraria Cultura/Conjunto Nacional. Av. Paulista, 2.073. Tel.: 3170-4059. 5ª e 6ª, 21h. R$ 50.

Até 29/9.

Estreia 20/7

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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