Os deuses do teatro estarão com o olhar voltado para a cidade de Curitiba amanhã à noite. Finalmente chegou o dia do ator Luís Melo colher os aplausos de um intenso investimento, financeiro e artístico, na criação de uma companhia teatral permanente, Ateliê de Criação Teatral (ACT), instalado na capital do Paraná. Esta noite, depois de mais de dois anos de trabalho, o ACT abre suas portas para a estréia o espetáculo ?Cãocoisa e a Coisa Homem?, dirigido por Aderbal Freire-Filho. A trupe planeja apresentar o espetáculo em São Paulo em outubro.

O ator curitibano Luís Melo tinha um projeto ambicioso em mente quando, há três anos, entrou em contato com a atriz Nena Inoue e o cenógrafo Fernando Marés, que juntos administravam o Núcleo Experimental de Teatro, em Curitiba. Ele queria criar uma companhia teatral de grande envergadura artística, capaz de realizar investigação a longo prazo, dedicando-se à criação teatral em todos os seus elementos, da dramaturgia aos cenários, som e iluminação. Melo, Nena e Marés tornaram-se parceiros no investimento artístico.

Como tema do primeiro espetáculo da trupe, desde o início Melo escolhera a relação entre o homem e o cão. ?Essa relação foi explorada na literatura de várias formas, mas raramente no teatro. Tenho certeza de que podemos falar da alma humana a partir dessa relação que tem muitos aspectos: amor, dependência, solidão e transferência; pode ser poética, delirante e cruel, enfim, há um mundo a ser explorado a partir dela?, apostava Melo, em entrevista a AGÊNCIA ESTADO, antes mesmo de acolher os primeiros candidatos para o elenco fixo da companhia.

Para realizar seu sonho, o ator investiu recursos próprios na reforma do teatro que ganhou um pequeno espaço cenotécnico, tanques para tingimento de tecidos e biblioteca. Foram meses de pesquisa sobre o tema. O material colhido serviu de base para o diretor Aderbal Freire-Filho criar o texto e a encenação de ?Cãocoisa e a Coisa Homem?, com patrocínio da Brasil Telecom.

Se o tema escolhido propiciava vasta matéria-prima de trabalho, essa amplitude representava igualmente um risco muitas idéias sem uma linha definida. A mudança do título do espetáculo de ?O Homem e o Cão? para ?Cãocoisa e a Coisa Homem? mostra que Aderbal Freire-Filho definiu uma idéia central para estruturar sua dramaturgia. Opção que ele teve a oportunidade de mostrar em São José do Rio Preto, em julho, no Festival Internacional de Teatro da cidade.

Logo na primeira cena de ?Cãocoisa?, a trupe surpreendeu pelo salto criativo a partir da idéia central. Os atores entram no palco arrastando por coleiras os seus ?cachorros coisas?. Um belíssimo vestido negro de noite era o ?cão? de uma mulher vaidosa, enquanto várias caixas de remédio amarradas numa coleira eram o ?cão? de um hipocondríaco. Dependência, transferência, humanização – são algumas das relações mais conhecidas entre gente e cachorro. E apareceram no palco sem obviedades.

Cão, obviamente, também lembra proteção ou perigo. Um objeto de cena bastante explorado no espetáculo é uma espécie de ?jaula? ou casinha de cachorro com rodinhas, que serve de abrigo para homens protegidos em seus domínios do ataque de outros homens.

Desde uma poesia de Lenine até textos criados a partir de improvisaçõe dos atores, e retrabalhados por Aderbal, são muitos os elementos amalgamados neste espetáculo para revelar e refletir sobre o comportamento humano na sociedade contemporânea. Porém o aspecto mais importante na estréia da noite de hoje é mesmo o surgimento de mais uma companhia teatral fora do eixo Rio-São Paulo. É torcer para sua permanência.

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