Em 1951, Alfred Hitchcock resolveu fazer um experimento – um filme em plano contínuo, sem cortes. Driblando a tecnologia precária da época – não havia chassi de celuloide que permitisse a duração completa de um filme -, propôs o suspense Festim Diabólico. Anos depois, no livro com a entrevista que concedeu a François Truffaut – Hitchcock/Truffaut -, só falaram de tecnologia e o mestre tentou conter o entusiasmo do discípulo. Não era dos seus filmes preferidos e ele achava o plano contínuo uma burrice, pois seu método repousa(va) sobre a montagem.
O tema, que ambos negligenciaram, ainda faz a força de Festim Diabólico. Dois jovens resolvem cometer o crime perfeito. O direito de matar um indivíduo provocou perturbação porque, afinal, ainda eram recentes as descobertas da imensidão dos crimes dos nazistas na 2ª Guerra. Hitchcock baseou-se numa peça inspirada na história real de Leopold e Loeb, que tentaram cometer o tal crime perfeito em 1924 e foram pegos. A mesma história inspirou um dos filmes de prestígio de Richard Fleischer, Estranha Compulsão, de 1959, que ficcionalizava, com outros nomes, o que ficou conhecido como “julgamento do século”, o da dupla. Orson Welles fazia o advogado de defesa.
Em 1992, houve outra versão, que é considerada um marco do new queer cinema. Em Swoon – Colapso do Desejo, Tom Kalin avança no que Hitchcock e Fleischer sugeriam – Leopold e Loeb eram gays enrustidos e o crime tinha conotação sexual. Mais dez anos e, em 2002, o franco-iraniano Barbet Schroeder fez Cálculo Mortal, em que outros dois estudantes planejam o crime perfeito e, agora, não apenas a vítima é do sexo feminino como a policial que investiga o caso é vivida por Sandra Bullock. Imagine se ela não enquadra os criminosos. Por hedionda que tenha sido, ideologicamente, a iniciativa de Leopold e Loeb, o crime só rendeu bons filmes no cinema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.