Assaltantes levam gibis raros de coleção em São Paulo

Três homens armados entraram no dia 16 em um sobrado na Vila Alexandria, nas imediações do Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, e saíram de lá com cerca de 7 mil revistas de histórias em quadrinhos. Considerando que existem quatro agências bancárias nas quadras vizinhas, pareceria apenas um assalto desastrado, não fosse a raridade do material roubado: foram levados cerca de 200 primeiros exemplares de revistas dos anos 1930 e 1940, como O Lobinho e O Gibi, um lote cujo valor poderia ser estimado em R$ 300 mil – caso existissem as publicações no mercado.

No sobrado fica o escritório e a reserva técnica do maior colecionador de histórias em quadrinhos do País, Antonio José da Silva, o Tom Zé, de 63 anos, que possui mais de 200 mil revistas. Ele coleciona gibis há mais de 40 anos, e seu acervo tem sido uma valiosa fonte de informação para historiadores, pesquisadores e jornalistas. O colecionador mantém a coleção com seus próprios recursos.

Tom Zé tinha acabado de chegar do almoço, às 14h15, quando os homens tocaram sua campainha naquela quarta-feira. Após renderem o colecionador e os dois funcionários que trabalham no sobrado, os homens mandaram que eles ficassem de costas e que não olhassem para seus rostos. Em seguida, começaram a colheita, escolhendo as revistas criteriosamente (todas estavam plastificadas) e jogando-as em sacos de lixo, que carregaram para fora até uma Kombi estacionada.

“Foram direto nos mais valiosos. Quem roubou certamente já esteve no meu acervo. Não tem para quem vender, deve ter sido encomendado por um colecionador”, disse Tom Zé, que não tinha seguro do material.

É muito difícil de avaliar – recentemente, uma edição rara da revista Detective Comics foi vendida nos Estados Unidos por mais de US$ 1 milhão. “Não consegui fazer seguro. Eu fui até os bancos, mas eles não conseguem fazer uma estimativa, sempre me disseram: mas que valor tem isso daí? O que mais me chateia é que levaram a nata dos meus quadrinhos”, afirma.

As publicações nacionais levadas pelos ladrões são as que têm maior valor histórico, segundo o colecionador. Ele acredita que alguns itens que levaram, como um lote de revistas Pato Donald da editora Abril, foi apenas para despistar. “Não têm muito valor, tentaram dar uma despistada. Mas levaram o cerne da coleção”, disse. Por exemplo: além de ensacar os 159 exemplares da revista O Lobinho, a mais difícil da coleção, os assaltantes ainda se deram ao trabalho de levar também as reproduções que o colecionador mantinha dessas publicações.

Discreto

Homônimo – no nome e no apelido – do cantor e compositor Tom Zé, ele não conhece o xará famoso, que admira. Não gosta de celebridade, não se deixa fotografar e também fica irritado com a situação que o obrigou a expor sua coleção, que define como um “hobby pessoal”. Garante que “não vende, não troca, não leiloa”, não comercializa de maneira alguma sua coleção.

Representante comercial aposentado, iniciou sua coleção com um exemplar de O Gibi, edição de Natal, quando tinha 20 e poucos anos, contra a vontade dos pais, que diziam para deixar de ler “essa porcaria” e ir estudar. “São oito edições, a mais valiosa é a de 1942”, explica. Tem funcionário especializado em restauro e não coleciona só raridades: acredita que possui 90% de tudo que foi produzido no gênero no Brasil.

“Aqui tinha a história em quadrinhos do Brasil. Aqui tinha tudo”, lamenta o colecionador, que tenta ajudar a polícia a localizar o paradeiro de seu precioso acervo. O caso está sendo investigado pelo 27.º DP (Campo Belo), mas a polícia ainda não tem pistas dos criminosos.

Papel do acervo

Para escrever o premiado livro A Guerra dos Gibis (Companhia das Letras, vencedor dos prêmios HQ Mix de 2004 e 2005), o autor baiano Gonçalo Junior ficou mais de cinco anos pesquisando no acervo de Antonio José da Silva, o Tom Zé.

Em A Guerra dos Gibis, Gonçalo Junior recupera a história de como alguns dos maiores empresários de comunicação do Brasil – Roberto Marinho (Globo), Adolfo Aizen (Ebal), Alfredo Machado (Record), Victor Civita (Abril) e Assis Chateaubriand – construíram suas reputações (e o mercado editorial do País) com HQs no nascente século 20. Em uma época em que o País tinha cerca de 50 milhões de habitantes, as publicações de Aizen, Marinho e Chateaubriand vendiam mais de 100 mil exemplares por edição.

Também pesquisaram no sobrado de Tom Zé autores como Primaggio Mantovi, que publicou Almanaque Rocky Lane, e Ezequiel Ferreira Azevedo, que escreveu Ebal: Fábrica de Quadrinhos, entre muitos outros. “Tom Zé está entre os maiores e mais criteriosos colecionadores de revistas de histórias em quadrinhos”, diz o editor Wagner Augusto, do Clube dos Quadrinhos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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