As aparências enganam

Acostumado a interpretar papéis cômicos no teatro, Gracindo Júnior não entende por que a grande maioria de seus personagens na tevê é composta por vilões. O ator garante que, se pudesse, não aceitaria mais esse tipo de personagem. Por um lado, pela vontade de mostrar um trabalho diferente na tevê. Mas, sobretudo, por acreditar que a energia negativa dos vilões respinga na vida do ator. “A maioria do público é muito ingênua. A gente brinca dizendo que as pessoas vão sentir raiva da gente. E sentem mesmo”, justifica Gracindo, sem resistir a uma “reivindicação” bem-humorada. “Acho que os atores que fazem vilões deveriam ganhar mais”.

Mas o “aumento salarial” não valeria para Celebridade, em que Gracindo interpreta o ressentido Ubaldo. O ator não classifica o ex-presidiário como um vilão, embora reconheça o “peso” que ele carrega nas costas. Por isso mesmo, está adorando a sensação de inadequação que o personagem experimenta desde que teve reconhecida a autoria de sua Musa do Verão. “Ele não sabe como se comportar. Ficou mais doce e um pouco ‘gauche’ na vida”, avalia Gracindo, que não pretende, de uma hora para outra, tirar toda a carga de ódio e mágoa do personagem. “Ele vai continuar meio maníaco. Afinal, foram 15 anos de injustiça”, destaca o ator, que volta e meia se pega “advogando” em favor do ex-presidiário.

Aos 45 anos de carreira e 60 de vida, Gracindo parece sério e fechado. Mas é só começar a falar de sua paixão pelo trabalho para abrir um sorriso cativante. Atualmente, divide suas atenções entre a novela, a direção da peça Anjos de Cara Suja, em excursão pelo País, e dois grandes projetos. Um deles diz respeito ao resgate de suas origens profissionais, na Rádio Nacional. A intenção é trazer o radioteatro de volta à programação das estações brasileiras. O outro é um livro misturando a história da comunicação no País à trajetória de seu pai, o ator Paulo Gracindo. “Ele está sempre comigo. Às vezes, me vejo na tevê e tomo um susto. Estou ficando cada vez mais parecido com ele”, ressalta Gracindo, com uma ternura que Ubaldo não deixaria transparecer.

P – O que fez você aceitar o convite para viver o Ubaldo, apesar da vontade de não interpretar personagens com grande carga negativa?

R – Em primeiro lugar, o fato de ser uma novela do Gilberto Braga, com quem nunca trabalhei, apesar de sermos amigos. Também por ser uma novela das oito, na Globo, o que é interessante para qualquer ator. Mas o mais importante é que se trata de um personagem sempre comentado por todos os outros personagens da trama. Desde o começo, mesmo antes de aparecer, ele ameaçava, de certa forma, a estrutura das outras famílias de personagens. Antes de eu entrar em cena, ele já era anunciado, tinha um entorno, uma mítica que dá a ele uma dimensão muito grande. E isso é importante porque em novela, na realidade, o espectador diário, constante, é raro. Você vê 15 minutos, toma um café, vai ao banheiro, atende a um telefonema, recebe uma visita. Então, o que importa é o todo da história. E o Ubaldo, pelo fato de ser sempre citado, de estar envolvido nas desconfianças das pessoas, é muito divulgado. Isso faz dele um personagem muito interessante.

P – Da relação profissional com seu pai, o que ficou mais gravado em você?

R – Trabalhamos muito juntos, e é muito difícil para mim situar um fato marcante em cada trabalho. Tudo o que aprendi, aprendi com ele. E tem uma ligação genética muito forte, porque somos muito parecidos, minha voz se parece com a dele, estou ficando cada vez mais parecido com ele e tenho a mesma profissão que ele teve. Então, acho que a grande recordação que tenho de meu pai é a do profissional que ele era. Não importa o que fizesse, queria fazer sempre o melhor. Sabe aquela história de que “não existem pequenos papéis, existem pequenos atores”? Ele seguiu isso a vida inteira. No começo, era como um mito para mim, mas depois já conseguia ver de forma mais seca, e conseguia trocar informações com ele, falar de coisas que ele fazia e eu não gostava. E sempre foi uma troca muito bonita, porque era uma pessoa humilde, generosa, que jamais me impôs nada. Uma das lembranças mais bonitas é meu pai ali, no final da vida, sendo dirigido por mim. Eu me perguntava como aquele profissional com mais de 80 anos estava ali me ouvindo.

P – Você vê reflexos da relação que mantinha com seu pai na forma como convive com seus filhos atores – Gabriel Gracindo e Daniela Duarte?

R – Vejo um pouco sim. Assim como eu, eles são muito independentes. Às vezes comentam comigo que vão fazer um teste, pedem para ver alguma coisa mas, na maioria das vezes, se viram. E isso acontecia comigo também. Não há muito como se ensinar a ser ator. Depende de se perceber uma coisa em você próprio, de se saber usar aquele instrumento que é seu próprio corpo, sua voz, a expressão de seus sentimentos. Claro que existem técnicas de interpretação, mas isso é só o “bê-a-bá”. Chega uma hora em que cada um tem de voar com suas próprias asas.

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