Artistas gestores: desafio de criar espaços de arte

Um casarão na Sé, próximo do Pátio do Colégio, abriga o espaço Phosphorus, que agora recebe cinco novos participantes de seu programa de residência artística. Perto dali, o .Aurora, na rua de mesmo nome, na República, funciona como ateliê e local de exposições e pesquisas de seis criadores. Já no edifício Copan, ícone de São Paulo na mesma região, o Pivô apresenta a instalação Projeto Gameleira 1971, de Lais Myrrha, trabalho que desencadeou debates ao trazer a história do desabamento de uma construção projetada por Niemeyer. O que une essas passagens?

Artistas se lançam ao papel de gestores de espaços de arte no centro de São Paulo. E o Estado acompanhou essas experiências para fazer um retrato da situação.

Dez espaços autônomos de arte paulistanos se uniram para começar a desenhar o que seria um “circuito centro” em São Paulo. Em 25 de abril, seus gestores lançaram um mapa que os localiza em um perímetro expandido da região da cidade, estimulando a circulação e a visitação pelas instituições (na semana passada, no entanto, um dos locais, a Casa Nexo, anunciou o encerramento de suas atividades). Com perfis diferentes e seguindo compassos muito próprios, as iniciativas, na verdade, têm em comum o desafio de pensar e experimentar novos modelos de gestão cultural. E sobreviver.

“Espaço independente não é, porque estamos sempre atrás de um jeito de nos sustentarmos”, diz a artista Bel Falleiros, de 31 anos, tentando definir o .Aurora, inaugurado em junho de 2013 na rua de mesmo nome, próximo à Praça da República. “Autônomo é uma palavra que usamos, mas também não é isso. E experimental é um pouco anos 70.” Segundo Bel, o projeto do espaço, que funciona em um apartamento aberto à visitação do público de quinta-feira a sábado, nasceu da vontade dela e de seus outros cinco fundadores de ter um local de liberdade “para criarmos no nosso tempo”. “Um lugar de troca, onde pudéssemos expor”, afirma Laura Daviña, de 32 anos.

Como lembra o arquiteto e curador Paulo Miyada, este não é um movimento inédito. Ele lembra exemplos históricos em São Paulo de criadores que se lançaram a iniciativas próprias, como o “teor provocativo” da Galeria Rex, nos anos 1960. “Ou, se quisermos ir mais longe, temos o precedente do Clube dos Artistas Modernos da década de 1930, que já naquela época falava na importância da autonomia dos artistas frente às instituições, à academia e ao mercado”.

Internacionalmente, este procedimento também é forte e ainda mais antigo.

Entretanto, o fato é que, neste momento, torna-se possível identificar a qualidade das estratégias tomadas pelos artistas-gestores e o amadurecimento de suas propostas. Para o público interessado em artes visuais, vale a pena acompanhar a programação de alguns espaços. “Eles seguem modelos do circuito profissional, o que pode implicar em longevidade”, considera Miyada. O curador destaca entre as exposições vistas ultimamente nesses locais as mostras de Cristiano Lenhardt e Luiz Roque, no Phosphorus; de Rafael RG, no .Aurora; e a atual instalação de Lais Myrrha, no Pivô.

Processo

“Sempre me interessei mais pelo processo do que pelo objeto artístico, sempre ficava tentando dosar a vida prosaica e a vida poética”, diz Maria Montero, de 40 anos, diretora do Phosphorus, nascido em julho de 2011. Artista com formação em comunicação e ampla experiência como produtora cultural, ela está terminando sua graduação no curso de curadoria da PUC-SP. Considera, portanto, o espaço, que desenvolveu “totalmente na raça”, como um projeto autoral, focado em produção artística. “Todos os artistas que fizeram residência aqui foram para galerias”, comenta. Atualmente, os novos residentes do casarão de 1 mil m² onde também funciona a Casa Juisi (de moda) e a Galeria Sé (também dirigida por Maria Montero) são Glayson Arcanjo, Janaina Wagner, Daniel Albuquerque e Márcia Beatriz Granero.

“Quem bancou de fato o Phosphorus nesses três anos fui eu mesma”, diz Maria Montero. “Mas tive também muita ajuda, como a dos colecionadores Pedro Barbosa, Camilla e Eduardo Barella.” Ela exemplifica que os apoiadores emprestaram R$ 13 mil para que fosse produzida a exposição coletiva Em Aberto, em 2012, e ficaram com um crédito abatido com obras de artistas. “Quero articular com todos os agentes da arte contemporânea, me interessa inventar modos de economia”, afirma a diretora. Misturando, em seu modelo, a produção e a venda de trabalhos, o Phosphorus já ganhou por vezes verbas de R$ 50 mil e de R$ 70 mil através de um dos únicos editais voltados para espaços independentes, o do Programa de Ação Cultural (Proac) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

A chamada pública também estimulou o sustento e a programação do .Aurora, que para este ano prevê exibições e atividades de seus participantes e de convidados como Sandra Cinto, Hector Zamora e Felipe Ehrenberg. Outro projeto do espaço é a editora ,Aurora (vírgula aurora), fonte de renda e divulgação.

Instituição

Já o Pivô, no Copan, funciona como associação cultural sem fins lucrativos desde 2012. “Temos um espaço físico que comporta uma programação institucional”, diz Fernanda Brenner, de 28 anos, diretora-fundadora do projeto abrigado em 3,5 mil m². “Trabalhamos com a velocidade de uma galeria e com o orçamento de uma residência”, comenta a pintora, com experiência, ainda, no ramo do cinema.

De fato, o Pivô já se encontra em outro patamar. Segundo Fernanda, 213 artistas de 15 países – entre expositores, palestrantes e participantes de ateliês temporários – passaram pelo espaço, visitado, até agora, por cerca de 25 mil pessoas. A opção por ser uma associação cultural, que faz seu orçamento através de patrocínios via Lei Rouanet e aluguel do local, e o intenso trabalho possibilitam a criação de uma programação sedimentada e metas mais ambiciosas, como parcerias com instituições internacionais (entre elas, o Matadero Madrid e a Fundação Cisneros). A mostra de Lais Myrrha, em cartaz no Pivô, é um projeto comissionado e, como conta a diretora do espaço, a próxima mostra, Que Coisa É?, prevista para a época da 31.ª Bienal de São Paulo, contará com trabalhos do artista Cildo Meireles e do mexicano Mario García Torres.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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