Artistas e intelectuais reunidos anteontem em São Paulo condenaram a criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e pediram ao governo Luiz Inácio Lula da Silva que não envie o projeto para apreciação na Câmara dos Deputados.
O encontro ocorreu durante o 1.º Ciclo de Debates do Fórum de Audiovisual e Cinema (FAC), órgão do qual fazem parte 13 mil empresas ligadas ao setor e outras 17 associações. Primeiro palestrante do dia, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor não poupou críticas ao governo, ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, e aos autores do projeto.
"A Ancinav é uma espécie de tumor inoperável que essa gente tem na cabeça. Essa lei é muito pior do que a da censura na época da ditadura. Eles (governo) fingiram o diálogo, que não aconteceu coisa nenhuma", disse Jabor.
Para o cineasta, que acredita que a Ancinav seja uma espécie de aparelhamento muito sofisticado, semelhante aos da época da ditadura, a autarquia vai ter mais poderes do que o próprio presidente da República.
"Há um artigo no projeto que prevê autonomia administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes. Ou seja: a Ancinav vai ser mais poderosa do que o próprio Estado brasileiro. A Ancinav é um país que pode tudo! Ela manda até no Lula", afirmou Jabor, durante o debate "O valor da liberdade de expressão para o Brasil", na abertura dos trabalhos.
O absurdo, segundo o cineasta, é que a criatividade do brasileiro será julgada e determinada por um pequeno grupo de pessoas que terá a missão, segundo Jabor, de fiscalizar o que não se planeja, o que vem do inconsciente.
"A Ancinav é um aborto político, demonstra a esculhambação que está este País. Eu não entendo como o (ministro Gilberto) Gil se deixou levar a ponto de permitir que isso fosse elaborado. Esse projeto tem que ser vetado por Lula. Ele é um homem sem formação cultural, mas é bastante inteligente. Tenho certeza que não vai colaborar com esse delírio ideológico."
Para o advogado Luiz Roberto Barrozo, a Ancinav é ilegal, já que a Constituição deixou para o Estado apenas a função de apoio à cultura, não prevendo qualquer medida que possa pôr em risco a liberdade de expressão.
"O Brasil tem uma história pavorosa no exercício da liberdade de expressão. Por isso, o papel do Estado nunca pode ser o de disciplinar essa área. No texto do anteprojeto só encontramos verbos como regular, fiscalizar, monitorar, tributar e impor. Isso é altamente suspeito, não é?", disse ele. O problema, para o antropólogo Roberto da Matta, é que a cultura no texto da Ancinav é tratada como uma idéia superficial e rasa.
"É surreal que um ministro que já foi censurado, que já teve que sair do País por causa da ditadura, queira agora acabar com a liberdade de expressão" disse.
Roberto da Matta ainda classificou o projeto de traiçoeiro e cheio de armadilhas ao lembrar que as sanções impostas pela lei podem chegar a R$ 25 milhões.